9/28/2011

Dever de lealdade, a quem?

Durante vários anos leccionei inglês em cursos de Secretariado. A preparação de jovens para trabalhar em empresas foi na generalidade bastante interessante. Por vezes, no ano final do curso eu criava algumas situações a nível empresarial em que se tornava necessário tomar uma posição. Questões de ética, afinal. Concretamente a propósito de lealdade, perante um determinado facto ocorrido e do nosso conhecimento, colocava-se uma pergunta no final: para onde vai a nossa primeira lealdade? Para o colega ou colegas, para o nosso superior imediato, ou para a empresa? Dependendo do caso, criava-se uma discussão acesa, com as opiniões a dividirem-se. A discussão acesa interessava-me particularmente não só como professor de línguas mas também como fonte de conhecimento mais aprofundado das pessoas que estavam à minha frente. Por um lado, não somos todos iguais, por outro, não existe um posicionamento que se aplique universalmente.
A não ser que... A não ser que deixemos que seja a nossa consciência a funcionar. Aí, falamos com total franqueza e explicitamos a nossa opinião. Tem o inconveniente de poder trazer consequências pouco agradáveis para nós; por outro lado, pode grangear-nos o respeito da maioria. Mesmo se respeitarmos a nossa consciência, podemos estabelecer o nosso posicionamento apenas para nós próprios e não emitir nenhuma opinião. É uma atitude algo cinzenta mas eventualmente sensata. Se falarmos incontidamente, poderemos errar por falta de dados confirmados; além disso, há sempre diferentes interpretações possíveis.
No geral, embora dependendo de casos concretos, tenho pessoalmente a tendência para defender mais aquilo que considero ser a verdade, seja ela louvável ou reprovável. Significa isto que eu não defenderia um colega se ele fosse acusado e eu considerasse a acusação justa? Sim, isso mesmo. Mas o mesmo faria relativamente a um superior. Adulterar ou esconder aquilo que para mim era a verdade nunca me agradou nem foi o caminho que segui, conquanto nalguns casos tivesse tido o cuidado de revelar essa verdade apenas a quem era importante que estivesse bem informado.
A empresa ou instituição, a sociedade como um todo e a educação como instrumento constituíram sempre o fiel da minha balança. Sendo a atitude de muitos, está longe de ser a mentalidade habitual, que é mais de passa-culpas. O "coitado!", "o que lhe sucedeu a ele também poderia suceder a qualquer um de nós", "ele é um dos nossos, não podemos consentir que seja castigado!" são coisas que pessoalmente me arrepiam. E porquê? Porque não é o facto de alguém pertencer ao meu clube, ao meu partido, ou à minha empresa que me deve levar a defendê-lo; aquilo que tenho que julgar é o seu comportamento. Se prejudicou a empresa para a qual trabalho, merece ser punido – mais ou menos ligeiramente. Se vou entrar pela senda do "coitadinho" e da "caridade solidária", estou a pactuar com uma acção indevida e merecedora de punição. Se essa acção não for punida, nem que seja com uma mera advertência, cria-se um precedente, o tal que, ao existir, passa por vezes a ser mais importante do que o presidente. Quando não se pune por simpatias pessoais, por clubismo ou por partidarite política, entra-se sem querer na corrupção e num género de corporativismo. A corrupção rói por dentro, corrói. O corporativismo é o grande cancro da democracia.
Factos são factos, doa a quem doer? Ou não? Amigos, amigos, negócios à parte? Ou não? Actuar segundo a nossa consciência ou segundo a nossa conveniência? Não é exactamente a mesma coisa!
Considerem-se os casos do Presidente do Governo Regional da Madeira, dos vários responsáveis mormente do PSD envolvidos no enorme escândalo do BPN, os casos de claro suborno e fraude que têm envolvido elementos de vários clubes e partidos ligados ao desporto, ao comércio, ao mundo empresarial – todos sem castigo visível e público. São obviamente casos de comportamento anti-democrático, em que as pessoas violam a sua consciência para não faltarem à lealdade devida à instituição ou empresa, à maçonaria, ao Opus Dei, ao Partido em que estão filiados. Será que a nação não entende isso bem? Mais do que bem, de facto. Daí vem o descrédito e, com ele, o descambar económico e financeiro. Pensemos um pouco nisto quando nos quisermos comparar com alguns países bem mais honestos, mais desenvolvidos e mais igualitários, do resto da Europa. E olhemos para Portugal do ponto de vista daqueles países que não hesitam em colocar ministros e primeiro-ministros em tribunal. Ter a coragem para enfrentar a verdade é essencial.

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