6/17/2006

Anões sobre os ombros de gigantes

Quando há duas semanas ou três o tempo esteve quente e o sol brilhou, a praia apeteceu a muita gente. Num desses fins-de-semana encontrei o Miguel, um amigo do meu filho, a passear na praia com o seu rapaz de dois anos às cavalitas. Ele é bastante alto, e o filho obviamente pequeno. Mas, lá das alturas, o miúdo topava tudo. Não me contive e atirei-lhe: "Um anão aos ombros de um gigante vê mais do que o gigante." O Miguel não conhecia a frase e perguntou-me se eu acabava de a inventar. Lá lhe expliquei rapidamente que não - o sol abrasava e não dava para longas conversas -, mas que havia muito de verdade naquelas palavras. Concordou. Que nunca tinha pensado nisso.
Nada de mais natural, de facto. A frase é de Bernardo de Chartres, brilhante homem da Igreja que viveu há oitocentos anos. O que ele escreveu é um pouco mais longo: "Somos anões aos ombros de gigantes. Vemos mais do que eles e temos horizontes mais vastos, não em virtude de melhor vista da nossa parte ou de outro dom físico especial, mas sim porque somos elevados e transportados no alto devido ao tamanho dos gigantes."
É toda uma definição de cultura que está aqui sintetizada. Cultura como legado dos nossos antepassados e também de pessoas nossas contemporâneas. Educação através de livros, relatos de experiências, filmes, viagens, contactos com indivíduos que sabem mais do que nós e nos dão o seu apport. Com isso, podemos ver melhor e mais longe, ter uma visão de conjunto mais abrangente e correcta. Utilizamos a sabedoria acumulada de muitos outros que nos precederam e de quem somos largamente devedores. Por vezes ingratos, porque nem lhes citamos os nomes, mesmo conhecendo-os.
É claro que ninguém é capaz de abraçar e digerir nem uma parte substancial de toda a sabedoria acumulada. Temos um tempo limitado de vida. Do nosso lado, porém, devemos procurar elevar-nos e elevar os outros tão alto quanto pudermos. Daí o tentarmos dar boa educação aos nossos filhos, aprendermos com amigos e com eles partilhar o pouco que sabemos. Daí, se professores, esforçarmo-nos por aprender mais para melhor comunicarmos e deixarmos sementes a germinar.
Se podemos ser como anões aos ombros de gigantes é bom que o tentemos. A ignorância é não só um dos cancros da sociedade como uma enorme injustiça para com o passado e, certamente, para com todos aqueles que no presente insistem em colocar-se lá nas alturas.

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