6/22/2006

Ordem + Contra-ordem = Desordem

Há uns meses, alguém me chamou a atenção para um acto da Autoridade da Concorrência, liderada por Abel Mateus. Tratava-se de multas pesadas infligidas a multinacionais do sector farmacêutico por comprovada formação ilegal de cartéis. "Até que enfim que aparece alguém a pôr mão nisto! A ver se o regabofe pára!"
A Autoridade da Concorrência foi bem recebida por muitos cidadãos porque viram nela a defesa dos seus interesses. Constataram a existência de equipas de investigação que apuravam a legalidade ou a ilicitude dos actos efectuados por grandes empresas, as quais tendem a não praticar a livre concorrência e a ficar impunes no nosso país.
Abel Mateus tem-se mostrado competente, firme e discreto. Nas entrevistas que lhe solicitaram, não alardeou nenhum desejo de celebridade.
Há umas semanas, o governo de Sócrates fez o impensável: desautorizou a Autoridade. O ministro da Economia foi contra o parecer prévio da Autoridade da Concorrência, ao permitir que a Brisa, empresa de auto-estradas, adquirisse uma percentagem significativa das acções da Auto-Estradas Atlântico. A tendência óbvia para uma situação de monopólio terá levado a Autoridade a opor-se. Pois o ministro da Economia, e com ele o Primeiro-Ministro, acharam que não e foi a opinião deles que prevaleceu.
Assim não se vai a lado nenhum. É presumível que, num assunto desta ordem, Abel Mateus - com uma vasta experiência no Banco de Portugal - tivesse informado o governo da sua decisão antes de fazer o anúncio aos media. O governo terá aprovado, tacitamente ou não, a decisão da Autoridade. Que, posteriormente, tenha sido um membro do governo a decidir o contrário é absolutamente inadmissível. Como se pretende dar credibilidade às instituições se depois se lhes retira o tapete?
O mais grave de toda esta questão reside na omnipresença e interferência do governo. Deste e de outros que o precederam, evidentemente. É por estas e por outras que, por exemplo, o parlamento português é mais uma correia de transmissão dos partidos, incluindo obviamente o governamental, que uma Assembleia verdadeiramente independente composta por deputados que ousam exprimir as suas próprias opiniões. O desrespeito contínuo pela autonomia dos outros acaba por desresponsabilizar esses outros. Lá se vai a responsabilização de que tanto se fala.
É curioso que o Presidente da República não se tenha ainda referido ao assunto. O facto, aqui várias vezes mencionado, que "o precedente é por vezes mais importante que o presidente" torna-se cada vez mais válido. Em vista da desautorização feita pelo governo, poderá estranhar-se que, num gesto perfeitamente inédito, as ordens profissionais do sector da saúde, através dos seus líderes, se tenham unido recentemente na sua luta contra a Autoridade da Concorrência? Conhecendo o precedente, se a Autoridade não ceder, as ordens já sabem onde hão-de ir pedir batatinhas!

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