Por vezes coloco-me a questão: por que motivo se convencionou considerar a idade de 65 anos como a mais adequada para a reforma? Por que não 60 ou 70? Admito que antes de 60 seria demasiado cedo, e aos 70 já demasiado tarde. Ter-se-á optado por 65 para fazer como nos contratos: o vendedor pede mais, o comprador oferece menos, e para que o negócio se faça dividem a diferença ao meio.
E estará bem essa idade? Da mesma maneira que nenhum chapéu serve em todas as cabeças, também a mesma idade não pode servir de forma idêntica todos os corpos e todas as mentes. Mas, no geral, pelo que me tem sido possível ver, incluindo o meu próprio caso, 65 é uma idade bastante correcta. E porquê?
Por volta dos 65, a maioria das pessoas já começa a sentir o peso dos anos. Por vezes é a mente a primeira a ressentir-se; outras vezes é o corpo, no seu aspecto mais físico. Na maioria das profissões, a novidade começa a desaparecer. Inicia-se uma certa saturação. Começamos a ser demasiado velhos para lançar novidades que outros aceitem e, por outro lado, recomeçamos a ouvir aquilo que já conhecemos demasiado bem. Trata-se de coisas que, apesar de nos serem apresentadas como novidades, já conhecemos há mais de vinte anos e que agora não podem deixar de nos parecer requentadas ou mesmo requentadíssimas. Porém, ao serem apresentadas como novas, atiram-nos para uma situação de grande incomodidade. É como se já tivéssemos chegado ao fim de um ciclo. E teremos de facto chegado.
Cito dois ou três exemplos apenas. Leio as parangonas de um congresso recentemente realizado no Algarve: "Portugal precisa de turismo cultural, não apenas de sol e praia." Nos anos sessenta do século passado eu já ouvia a mesma cantilena. Mais: eu próprio defendi esse ponto em várias palestras e, certamente, em aulas.
Noutro campo, ouvir os políticos a falarem, como sempre, dos amanhãs que serão paradisíacos, leva-me a murmurar para mim próprio "Há quanto tempo oiço isto?".
Aqui e além, surgem uns tantos pacóbvios (pacóvios que dizem o óbvio) a afirmarem pomposamente que "a educação está na base de tudo". Como se fosse uma novidade que acabassem de descobrir!
Oiço uma voz sensata a dizer-me "É preciso não deixar morrer a esperança!" Pois sim, mas há uma terrível sensação de reprise. São outros os actores, mas as falas e as cenas são as mesmas.
Com excepção de alguns verdadeiramente interessantes, os comentários de muitas pessoas começam a enfadar-nos, as conversas a impacientar. Só um projecto verdadeiro pode acalentar-nos. E acalentar significa "aquecer". Mas será difícil arranjarmos outros que colaborem connosco em projectos. Teremos geralmente de os fazer sozinhos. Entretanto, estamos claramente a entrar na mó de baixo. A memória pode falhar. A corrida já não é a mesma. A flexibilidade do corpo, aquele musculado jogo de ténis, os 50 quilómetros de bicicleta, onde é que isso já vai?
Os outros ouvem-nos mais por respeito do que por outra coisa. Começamos a sentir-nos fora do mundo. Os jovens ficam admirados se nos ouvem a falar do MySpace, do YouTube, de PDAs, de um jogo novo para a Playstation. Tornamo-nos abencerragens. Sobrevêm-nos as rugas e as manchas na pele. As senhoras começam a pedir insistentemente que não lhes tirem fotografias de muito perto. Quem exerceu uma actividade com prazer durante largos anos pergunta-se "Como é que dantes eu conseguia ter tempo e gosto para fazer tanta coisa?"
Depois, os filhos atiram frequentemente os pais para tratar dos netos. A questão é que tanto os netos como os avós estão um tanto fora deste mundo, uns por não terem ainda compreensão suficiente, os outros por já terem perdido um pouco essa compreensão e certamente também o vigor.
Depois há os chatos, velhos de velhice, que só falam de doenças e das suas idas ao médico. Vivem encasulados no seu mundo. A um cordial "Como está?", respondem com uma explicação cabal. Aproveitam a oportunidade para falarem de si próprios, já que poucos denotam algum interesse verdadeiro por eles.
Quem atingiu os 65 já nem interessa ao pessoal da empresa de telemarketing que os contacta para "responder a este brevíssimo questionário". Já passou o seu tempo. A sociedade já não vê qualquer utilidade na sua opinião. É a vida!
Atenção! E não há nada de bom, nada de favorável? Vamos deixar os lamurientas choros e olhar para alguns lados positivos. Admitindo que essas pessoas de 66, 68, 73 ou 75 anos já usufruem de uma reforma e não possuem, por conseguinte, um trabalho regular, já se pensou no tempo livre de que agora dispõem? Pessoas que durante grande parte da sua vida se queixaram constantemente da falta de tempo têm-no agora todo, ou quase todo. Podem deliciar-se em leituras, frequentar cursos, aprender técnicas artísticas e outras para as quais nunca lhes sobraram horas, dar uma mão a um amigo que gosta de carpinteirar, sentar-se com conhecidos sem estar sempre a olhar para o relógio na esplanada de um café, ler o jornal repimpadamente em casa ou na rua, dormir até mais tarde. Se houver dinheiro para isso, poder viajar no fora-de-estação é algo extremamente agradável: os preços são mais baixos, os turistas são poucos, as terras aparecem com a sua vida própria e não artificial. É possível a essas pessoas sair de segunda a sexta sem quaisquer problemas, enquanto o comum do trabalhador terá de limitar-se aos fins-de-semana, com todos as enchentes e os engarrafamentos conhecidos. E quanto a viajar em transportes, os indivíduos com idade superior a 65 são largamente beneficiados. Começam por poder tirar o passaporte com desconto. Se utilizam os comboios nacionais, têm direito a uma redução de 50 por cento, o que torna as viagens francamente mais acessíveis. Nas cidades, os passes sociais dão-lhes um benefício também dessa ordem de grandeza. Até quando viajam em carreiras de autocarro entre duas localidades distantes beneficiam desse desconto. Em supermercados chegam a ter caixas prioritárias. Nos cinemas têm preços mais reduzidos. No caso dos arrendamentos habitacionais, possuem regalias que são negadas a outros. O que mais querem? O choro queixoso dos parágrafos acima pode estar certo, mas é preciso temperá-lo com estes ingredientes positivos, que, admitamo-lo, não são nada despiciendos.
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