Ainda hoje ouvi alguém dizer na televisão que os portugueses não são de maneira nenhuma racistas e que gostam imenso de estrangeiros. É possível que nós não soframos de males desse género mais do que outros povos, mas parece ingenuidade acreditar que não há nenhuma pitada de antagonismo relativamente àqueles que não são nascidos no país. Não é a turistas que me refiro, que aí os portugueses compreendem que eles são uma boa fonte de divisas e portanto seria um sacrilégio estar contra. É para com os mais próximos, os que vêm montar tenda cá, para ficar por um período mais ou menos longo. É aqui que a língua é delatora.
Nem árabes, nem mouros, nem galegos, nem espanhóis, nem judeus ficam sem um pequeno epíteto pouco simpático. É conversa que vem de longe, de há muitos muitos anos, mas que a língua conservou até aos dias de hoje. É verdade que muitos portugueses não associarão o qualificativo à sua origem, mas que há expressões pejorativas, substantivos, adjectivos e coisas do género, isso é inegável.
A nossa paixão pelos árabes deixou na língua, entre outras, a palavra "alarve". Ser um alarve (= árabes) é ser rude e grosseiro, um bruto. Uma alarvice é uma acção própria de um alarve. Os mouros, que nos ficaram sempre mais próximos, ainda são hoje depreciativamente usados pelas gentes do Norte para classificarem aqueles que vivem mais a sul. "Trabalhar como um mouro", "mourejar" é ser submetido a uma labuta severa, o que imediatamente o coloca na mó de baixo.
Algo como sucede com os africanos, que nos levaram a criar expressões como "trabalhar é bom para o preto", sintoma inequívoco, tanto no caso do mouro como do preto, de que o branco manda e descansa, enquanto os outros mourejam. Além disso, a cor preta foi - não só cá, naturalmente - associada ao pecado ("negro como o pecado"), e a situações pouco brilhantes, como quando se diz que "a coisa está a ficar preta". A brincar, a brincar, lá se vai insinuando uma superioridadezinha.
A norte de Portugal fica a Galiza, de onde vieram muitos honrados habitantes ganhar a vida em Portugal. Tanto bastou para que o epíteto de galego se tornasse depreciativo. Fazer uma galeguice ou uma galegada é fazer asneira, algo errado.
Os judeus, que constituíram uma comunidade muito visível no nosso país, não escaparam também ao apodo. E mesmo aqueles que se converteram ao cristianismo foram denominados de marranos, isto é, porcos. Mas nós detestamos vermo-nos hoje incluídos na designação que os protestantes do Norte usam para alguns países da União Europeia: pigs (iniciais de Portugal, Italy, Greece, Spain). Judiar, fazer judiarias, "não sejas judeu!", são coisas que se continuam a dizer hoje com grande frequência. Ser judeu é, entre outras coisas, ser avarento, o que não é uma qualidade positiva. Judiar é troçar ou zombar, fazer maldades, no fundo associar, à la Bush, os judeus ao eixo do mal, sendo nós o eixo do bem. Uma judiaria é geralmente uma diabrura, o que nos faz estabelecer uma ligação entre o pobre judeu e o diabo. Tudo sem querer, é claro!
E quanto aos espanhóis, é melhor que fiquem longe. Adaptámos aqui o ditado que Barcelona arranjou há uns séculos para Madrid "De Espanha, nem bom vento, nem bom casamento" (De Madrid, ni bona vent ni bona gent.) Um português que mexe nos artigos expostos é acusado de "ser como os espanhóis - é preciso mexer para ver").
Os ingleses são "bifes", os franceses "franciús" e os americanos "camones", com as suas americanices.
Dizer que gostamos de todos os estrangeiros e de todos os que não vivem na nossa terra é capaz de ficar um bocadinho longe da realidade. Cada um gosta de si e da sua comunidade. E que outros não nos venham chatear muito!
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