10/26/2006

Pode falar-se do Ocidente como um bloco?

Nos últimos cinco ou seis anos, a Gulbenkian tem organizado no mês de Outubro jornadas interessantes sobre vários temas, v.g. Globalização, Migrações, Relações Internacionais e União Europeia. Desta feita, o tema escolhido foi "Que Valores para este Tempo?". A sessão da tarde de hoje, mais monótona do que é habitual, foi acordada pelo último orador, o americano Robert Kagan. Propuseram-lhe falar sobre a temática do Fim da História. Kagan, de 48 anos, é autor de vários livros, escreve para revistas e jornais e está presentemente sediado em Bruxelas. Tem bons conhecimentos e declara-se abertamente neo-liberal. Simpático e comunicativo, apresentou o assunto de forma viva.
Realçando a importância decisiva do final da Guerra-Fria (1989), que transformou um longo período de sistema bipolar (Estados Unidos e Europa versus bloco soviético) num mundo mais unipolar, com larga predominância militar americana, deu ênfase ao facto de se ter acreditado na década de noventa na possível adopção de um sistema universal de governo baseado no liberalismo (Fim da História), que a prática tem mostrado não ser viável. Neste sentido, referiu-se aos caminhos mais ditatoriais mas não necessariamente menos bem sucedidos trilhados pela China e pela Rússia. Salientou igualmente a mudança de posicionamento da Europa face aos EUA. Esta nova atitude dever-se-ia ao facto de a Europa, fora do antigo sistema bipolar, já não necessitar dos EUA para a sua segurança.
Num inquérito recente realizado dos dois lados do Atlântico, a resposta a uma das perguntas - concretamente, "Admite que, em determinadas circunstâncias, a guerra pode ser necessária para impor a justiça?" - 80 por cento dos americanos inquiridos responderam "sim", resultado que contrasta enormemente com os 30 por cento de respostas afirmativas que a pergunta colheu na Europa. Daí que, para Kagan, os Estados Unidos possam ser comparados a Marte, deus da guerra, sendo a Europa comparável a Vénus, deusa do amor e da temperança. Deste posicionamento diferente, resulta que os europeus não consideram legítimas várias das acções bélicas dos Estados Unidos, enquanto que para a esmagadora maioria dos americanos essas acções surgem como perfeitamente legítimas, mesmo que não aprovadas pelo Conselho de Segurança da ONU, órgão que consideram ultrapassado. Ainda hoje os americanos se julgam portadores do facho que ilumina o mundo (o tal superiorismo, termo que aqui usei pela primeira vez há umas semanas). A generalidade dos seus compatriotas, disse Kagan, aceita sem pestanejar que o seu país gaste 400 biliões de dólares por ano na defesa. Kagan admitiu, no entanto, que nunca houve um período da História em que os EUA tivessem entrado em tantos conflitos armados e que se estão a aproveitar da oportunidade que entretanto se lhes deparou. Negou que se tratasse de política do actual presidente, pois tanto Bush (pai) como Clinton e George W. tomaram decisões no mesmo sentido. Tratar-se-á de uma estratégia consistente. Desde 1989, os Estados Unidos já entraram em 14 novos conflitos, o que dá em média uma intervenção armada de 18 em 18 meses! Liberalismo e armamento não são, segundo Kagan, contraditórios para os americanos.
Dado que esta atitude é quase diametralmente oposta à europeia, presentemente a legitimidade dos Estados Unidos é posta duramente em causa na Europa. Daí que, entre outras razões, não faça muito sentido falar do Ocidente como um bloco. A legitimidade das acções interventivas dos Estados Unidos é posta internacionalmente em questão, o que não é bom para o país e obviamente afecta a sua imagem.
Este é um breve resumo da intervenção de Kagan, que provocou, como seria de esperar, algumas reacções fortes. A mais contundente, e fortemente aplaudida, foi de um professor inglês da Westminster University. Curiosamente, John Keane, o professor em questão, vai ser um dos conferencistas no último dia das jornadas, na próxima sexta-feira.

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