7/30/2007

Boas férias!

Este escriba irá estar ausente do azweblog durante quase todo o mês de Agosto. Votos de boas férias aos que as vão gozar agora, e boa disposição para os restantes!

7/28/2007

Antes de férias

Admito que esta canícula do fim de Julho me convidava a despedir-me de leitores amigos com uns votos de boas férias - votos que naturalmente expresso -, e um anúncio de regresso lá para finais de Agosto. No entanto, porque um artigo do jornal Público de hoje, assinado por São José Almeida, bate num ponto que é substancialmente o meu, permito-me deixar ainda um breve apontamento em jeito de balanço político-partidário.
A razão que leva às aparentes crises do PSD e do CDS não é a crise de direita, thank you, mas a forma como o PS tem conduzido a sua política. Ambos os partidos do bloco central - PS e PSD - possuem, como todos sabemos, uma ala mais à esquerda e outra mais à direita. A ala do PS que está neste momento no governo é, claramente, a ala mais à direita do partido. Sendo assim, é natural e lógico que esteja a servir mais a direita, sob o nome de esquerda, do que outra coisa. Como o primeiro-ministro se tem revelado bastante à-vontade no seu papel, com bons dotes oratórios e um discurso fluente e persuasivo, ganha com facilidade a uma oposição parlamentar de direita que se encontra debilitada por ter o adversário a usar muitos dos seus trunfos.
E não causa protestos a sua política? Como não! Uma política de direita leva invariavelmente a protestos, na medida em que tende a beneficiar um número reduzido de indivíduos, já de si privilegiados, e a afectar a maioria. O que a direita tem em vista é a formação de riqueza. Tradicionalmente, o pensamento esquerdista preocupa-se mais com a distribuição dessa riqueza, de maneira a esbater as diferenças sociais.
É aqui que surge o país adiado que Portugal tem sido e o seu inegável atraso no capítulo da formação e da educação. E da honestidade. Há muita coisa que continua a ser levada pouco a sério no país. Em alturas em que há fundos comunitários em abundância, utilizam-se muitos desses fundos em investimentos não reprodutivos. A corrupção faz imensos estragos. O banco de favores, tipo "ajuda-me hoje, que eu ajudo-te amanhã", tem raízes fundas no país. O populismo que continua a grassar na educação tem consequências gravíssimas. Nesse domínio, preferiu-se claramente a quantidade à qualidade, com efeitos muito perniciosos em termos futuros. Sem fundos estruturais vindos da União Europeia, o resultado tenderia a ser catastrófico.
Portugal é membro da Eurolândia desde 1999, com o euro a circular no país desde 2002. Com mais efeitos positivos para o país do que negativos, diga-se. O Programa de Estabilidade, que também pede Crescimento (PEC), exige disciplina, já que o euro é moeda forte, criada à imagem e semelhança do marco alemão. Ora, esta disciplina, pouco comum em Portugal, exige medidas que são necessariamente impopulares. Quando estiveram no governo, o PSD e o CDS não fizeram o seu trabalho de casa correctamente. Foram essencialmente populistas. Depois da desastrosa governação de Santana Lopes, estava aberto o caminho para um PS reformador. Esse Partido Socialista conquistou a maioria absoluta basicamente por culpa do governo de direita. Porém, para que o governo cumprisse o PEC de forma a não ser convidado a sair do euro, impunham-se típicas medidas de austeridade, que acabaram por deixar praticamente incólumes os mais ricos e causaram largos problemas aos restantes. Foram anunciadas grandes transformações, das quais algumas foram executadas. Na sua maioria, as medidas incidiram, como geralmente sucede nestes casos, sobre o campo social custeado pelo Estado. A reforma da Segurança Social penalizou os trabalhadores. Algumas reformas administrativas já tomadas no campo da Função Pública penalizam os funcionários. Reformas ao nível das carreiras na Educação penalizaram os professores, que já tinham sido atingidos pela reforma da Segurança Social. No domínio da Saúde, a reconversão do mapa geral de hospitais e centros de atendimento provocou natural descontentamento. Um maior controlo das contas públicas enfureceu a ilha da Madeira e causou descontentamento e constrangimentos financeiros em muitas autarquias.
Não ponho em dúvida que estas medidas eram necessárias para que Portugal se mantivesse no grupo do euro. Mas são reformas que, na sua lógica, caberiam mais a um governo de direita fazer. Desta forma, por não ser penalizada e ter a semi-esquerda a fazer o seu trabalho, a direita ganha com este alisar de terreno. À direita interessam os negócios, a formação de riqueza através do mundo empresarial, uma maior facilidade para despedir trabalhadores, e isso tem vindo progressivamente a ocorrer. Uma taxa de desemprego elevada também favorece a direita. Por um lado, desacredita a esquerda governante, por outro baixa os salários a pagar, o que significa aumento de lucros.
Mas, perguntar-se-á, tudo o que o governo tem feito é de direita? A resposta tem de ser negativa. Aliás, se fosse totalmente positiva, o governo não se teria mantido até agora. Por um lado, apesar das gravosas correcções introduzidas, o governo mantém a ideia básica do sistema da Segurança Social. Não ousa destruí-lo, o que seria uma das ambições da direita neo-liberal. Na feitura da lei do arrendamento urbano, não cedeu às muitas pressões a que foi sujeito, que pretendiam uma liberalização quase total. A fazer-se o que o sector imobiliário pretendia, haveria uma revolução social no país urbano. (Em resposta, os senhorios têm feito boicote ao arranjo de edifícios.) No que respeita ao abaixamento de impostos, que não faria qualquer sentido na presente situação de correcção do défice, até agora o governo tem-se mantido firme. É ainda verdade que conseguiu aumentar a sua receita fiscal através de um maior controlo dos impostos - mas não tornou esses impostos suficientemente progressivos, pelo que sectores que já eram privilegiados como a banca continuam a apresentar chorudos lucros que contrastam pelo seu volume com a panorâmica geral da economia. Aí, o governo não tem, lamentavelmente, contribuído para diminuir as desigualdades sociais em Portugal. Mais importante: o governo não tem cedido a pressões para alteração da Constituição, algo que é um dos objectivos prioritários da direita.
A pressão disciplinadora de Bruxelas tem sido mais importante do que a acção crítica da oposição.

7/24/2007

Autenticidade encenada

A propósito do título acima, ocorre-me um almoço dominical na casa dos meus pais, tinha eu apenas sete ou oito anos. Estávamos à mesa todos os membros da família e mais um casal amigo, o que representava um total de dezoito pessoas (este era sempre o número limite por causa da mesa e da sala). Não me lembrando já dos antecedentes, recordo que a certa altura a conversa entre os adultos incluiu a menção de um beijo. Do meu lugar eu terei metido o bedelho na conversa, o que fez com que os outros me perguntassem se eu sabia o que era beijar. Respondi-lhes que sim. Aí, todos fingiram não saber. Pediram-me então que lhes explicasse e, candidamente, dei-lhes uma explicação. Descrevi-lhes um beijo "à cinéfila". Alguém comentou: "Mas isso é só nos filmes". Todos imediatamente concordaram.
Só anos mais tarde é que vi o ridículo da situação. Eles tinham fingido bem, reagindo com acerto e humor à minha ingenuidade. Tratava-se de uma reacção concertada no momento.
Ora, uma reacção é muito diferente de uma acção. Esta corresponde a uma iniciativa tomada por alguém. Há dias, tivemos um caso típico de autenticidade encenada, na circunstância pelo partido socialista. À boa maneira do eterno caciquismo, o partido arrebanhou gentes de Cabeceiras de Basto e do Alandroal para celebrar com um banho de multidão um pouco maior a prevista vitória de António. Costa nas eleições para a Câmara de Lisboa. A população de Lisboa soube do caso e, naturalmente, não gostou. Ninguém gosta de comer gato por lebre.
Eis que os spin doctors socialistas atacam de novo. Dentro da admissível auto-promoção da "revolução tecnológica" que o governo tem apregoado, os assessores de imagem congeminaram a cena de uma sala de aula com miúdos recrutados por uma empresa de casting, a qual lhes pagou a 30 euros por cabeça para serem figurantes. No fundo, a presença da ministra da Educação e do primeiro-ministro acabou por servir para realçar a falsa autenticidade da encenação. E com crianças, senhores?
Houve, no entanto, um aspecto muito positivo que convém igualmente salientar: a televisão pública mostrou as imagens, como se esperaria, mas revelou também as perguntas feitas pelos jornalistas e as esclarecedoras respostas dos miúdos, o que constituiu um bom exemplo de liberdade de trabalho da RTP, contra aqueles que falam em governamentalização total. Valha-nos isso!

7/22/2007

Existencial

Somos aquilo que pensamos ser? Aquilo que dizemos? Aquilo que fazemos? Ou somos, afinal, como os outros nos vêem (mais do que como nos vemos a nós próprios)?
Preguiçosamente, talvez tenhamos a tendência para dizer que somos um pouco de tudo isso. Mas, na realidade, como somos?

7/19/2007

Humor em vias de extinção?

Uma notícia da semana passada fez-me rir. Como é sobre sentido de humor, acabou por cumprir a sua missão. O conceituado Journal of the International Neuropsychological Society inclui no seu último número um artigo que sugere que as piadas podem estar em vias de extinção. Quem ler até aqui poderá pensar que o artigo se baseia na recente experiência portuguesa de reprimir severamente algumas graçolas - em si uma boa anedota -, mas não é naturalmente esse o caso. Segundo os autores do artigo, a diminuição do sentido de humor acompanha a idade. Neste sentido, como a população mundial está claramente a envelhecer em muitos países, as anedotas tenderão a extinguir-se.
Aqui está um campo em que acho que a ciência não se devia meter, porque é extremamente difícil chegar a conclusões exactas. Mas analisemos a coisa por partes. É ou não verdade que nos rimos menos de uma piada que já conhecemos? Para mim, isso parece-me óbvio. Uma anedota, tal como um automóvel ou uma casa ou uma caneta, ou, ou, é sempre melhor em primeira do que em segunda mão. Chegados aqui, é natural que os mais velhos se riam menos de piadas que para eles já têm barbas (o próprio humor envelhece através das suas barbas). Recordo-me que já no liceu, quando algum de nós se punha a contar uma anedota que julgava nova, havia muitas vezes um dos ouvintes que começava a cofiar o queixo como que a acariciar a barba, levando à eterna pergunta: "Já conheces?" À resposta afirmativa havia uma interrupção, logo seguida dos protestos dos outros que ainda não conheciam a piada. E porquê esse interesse em ouvir até ao fim? Porque rir é bom! "Dia não rido é dia não vivido." Toda a gente gosta de rir. Quem não gosta, está doente. "Weine, und Du weinst allein! Lache, und die Welt lacht mit Dir!" diz-se em alemão (Chora, e chorarás sozinho. Ri, e o mundo rirá contigo!)
Ora bem, o que tenho notado é que os meus amigos mais velhos se pelam por boas piadas. Ainda há dias, num jantar, lamentou-se a não-presença de um habitué, que é um grande contador de anedotas. E é mais ou menos tudo velhada que gosta de comer e beber! ("Quando nada mais há para dar, ainda resta o paladar!")
Não me venham, pois, com essa de que com o envelhecimento da população diminui o caudal de anedotas. É evidente que alguém que está com os pés para a cova não tirará grande prazer nem da melhor piada; o seu mal-estar não lho permite. Mas quando se está de boa saúde, não é a idade que rouba às pessoas o sentido de humor. Pode até refiná-lo.
Continuo a dizer que o sentido de humor é uma das grandes características que distinguem o homem dos outros animais. Se o Muttley ri à maneira humana, é porque é um boneco inventado pelo homem. Idem para o Jerry. Idem para o Speedy. Mas até seria interessante que os animais se rissem com gosto de uma piada. Faziam-nos mais companhia. Entretanto, uma verdade é certa: a educação de uma pessoa e o seu esprit de finesse contam bastante para a forma como ela não só cria humor como entende o humor dos outros. A faceta educação é bem mais importante do que a idade, creio. Digo "creio" porque, feliz ou infelizmente, certezas não tenho; para essas é melhor consultar a revista da Sociedade Internacional de Neuropsicologia.

7/18/2007

Água em embalagens de plástico

Ao ler na semana passada um breve apontamento da revista americana Newsweek sobre água em embalagens de plástico, pensei que esse seria um tema interessante para o blogue, uma vez que em Portugal o consumo de águas em garrafa já atingiu quase mil milhões de litros no ano passado, com mais de 717 milhões de embalagens de plástico (na Europa, Portugal é o oitavo país em termos de água engarrafada per capita: 92 litros em 2006). Dias depois, vinha um artigo desenvolvido no Público sobre este tópico. A sua origem era também americana. É sinal de que algo está a mexer.
Sempre conheci águas minerais e de nascente. Porém, durante muitos anos e sem quaisquer problemas, só bebia água da torneira. Entretanto, nas últimas décadas começou a desenvolver-se entre nós, provavelmente devido à melhoria do nível de vida e à publicidade, o hábito de beber água embalada (em garrafas ou em garrafões). Admito que em minha casa tem sido essa a água que bebemos. Errado? Muito possivelmente.
Alguns engenheiros que escrevem sobre a água de Lisboa não deixam de elogiar a sua qualidade, criticando basicamente o facto de esta água, que ao sofrer tratamentos de vária ordem se torna dispendiosa, ser, incrivelmente, usada também para lavar ruas e viaturas, além de servir para a rega de jardins. Protestam contra a não-existência de um sério aproveitamento de águas pluviais que permita o seu uso para esses fins.
Há cidades no mundo onde não se recomenda o uso de água da torneira. A cidade do México é um bom exemplo. Em Lisboa, porém, se é certo que há alturas em que, devido a eventuais chuvas muito intensas, a água que corre nos canos vem barrenta, temos que reconhecer que esses são momentos ocasionais e excepções à regra. A água da cidade é boa. Então por que motivo desprezamos essa água e preferimos água engarrafada, gastando muito mais com essa nossa preferência?
As câmaras municipais de várias cidades dos Estados Unidos aperceberam-se há muito de que a sua água acabava por ser vendida sob designações exóticas, como a Dasani, da Coca-Cola e a Aquafina, da Pepsi, com lucros fabulosos. É aqui que entra o factor ambiental. Hoje em dia, os municípios despendem largos milhões com a qualidade do ambiente. Ora, grande parte dessas despesas tem que ver com a remoção e tratamento do lixo. E muito desse lixo provém de embalagens de plástico (30 milhões de garrafas de plástico acabam, diariamente, nas lixeiras de Nova Iorque). Para cúmulo, muitas dessas embalagens de plástico contiveram água fornecida por esses municípios, água que foi depois submetida a um tratamento adicional para lhe alterar o sabor, foi embalada segundo as melhores técnicas de mercado e originou os já mencionados lucros colossais. Depois, enquanto as empresas recolhem os lucros, os municípios recolhem as garrafas. É o ciclo da água, desta vez um pouco diferente daquele que estudámos na escola secundária.
A maioria das marcas de água embala o seu produto num plástico derivado do petróleo (polietileno). Segundo os técnicos, o fabrico deste plástico liberta para a atmosfera vários metais tóxicos, como o níquel e o benzeno. As garrafas ou garrafões são depois transportados em camiões que vão queimando gasóleo pelas ruas e pelas estradas para efectuarem a respectiva distribuição. Em duas palavras: para se vender água que é publicitada como sendo símbolo de excelência, polui-se o ambiente de várias maneiras. Por outro lado, é bem sabido que os plásticos quando sujeitos a grandes variações térmicas podem afectar a qualidade dos seus conteúdos.
Este conjunto de factores leva-nos a pensar que está certamente na altura de reconsiderarmos, pararmos um pouco para pensar e vermos como tudo funciona em cadeia. Na minha família mais próxima, só a minha filha e respectivos familiares não bebem água engarrafada. Usam conscientemente a da torneira. Eu vejo-me a transportar para o ecoponto da minha rua talvez umas vinte garrafas de dois litros todos os meses. Tomando tudo em linha de conta, é natural que vá reduzir o meu transporte de água engarrafada para casa. Hoje, para começar, vou só beber água da torneira. E vou encher uma das embalagens de plástico que tenho em casa com água da Companhia. Se notarem a diferença, fico mal. Se não notarem, é sinal de que o líquido passou no teste.

P.S. Entretanto lemos que Portugal, a fim de cumprir a legislação europeia sobre reciclagem de plásticos, enviou 14 mil toneladas de embalagens de plástico para operadores chineses. E se, em vez disso, bebêssemos menos água engarrafada?

7/11/2007

A questão dos exames. Rigor é valor.

Há dias, chamou-me a atenção o título de uma reportagem: "Em 150 minutos, um aluno foi destruído." Uma professora de Desenho desabafava que um aluno seu, estudante exemplar, tinha tirado seis na prova. "Teve toda certa a parte do exame que fez, mas depois bloqueou." A prova era do 12º Ano.
Estou em crer que muitas pessoas que terão lido a notícia possivelmente reagiram com um "Coitado!". Outras terão dito: "É nisto que os exames dão. Mesmo os bons alunos às vezes bloqueiam." Não estou cem por contra qualquer dos comentários, que são decerto bem-intencionados, mas devo admitir que colidem com a minha forma de ver a educação.
Educar é preparar estudantes para a vida. Para a vida profissional, e também para saber viver em sociedade, saber competir, saber confiar em si próprios. Instruir é fazer rapazes e raparigas crescerem para entender melhor o mundo e serem particularmente aptos num determinado ramo. Saber ser forte é uma das características para o sucesso. Haverá com certeza quem não o consegue, mas não é por causa dos que não conseguem que deveremos baixar o nível do ensino. Pelo contrário, os mais fracos deverão ser incentivados a esforçar-se mais, motivados para conseguir alcançar patamares mais altos. Se isso não for de todo possível, existem outras vias que não a continuação de estudos em que esses indivíduos poderão ser úteis à sociedade.
Frases como a do título acima citado como que encobrem uma crítica à existência de exames. Mas então, em que ficamos? Procura-se, através da escola, que as crianças se mantenham crianças, fomentando por assim dizer o infantilismo, ou esforçamo-nos todos por atingir objectivos elevados? Esta definição é crucial. A política do "coitadinho" não nos leva a lado nenhum.
Daí que a eliminação do antigo sistema de exames tenha contribuído decisivamente para aviltar o nível da educação em Portugal. Possuímos hoje meios de ensino - e, consequentemente, de aprendizagem - muito superiores aos de antigamente, mas ao descurarmos uma política de rigor e de exigência abastardamos a educação. O trabalho e o esforço, que deveriam ser a normalidade, são olhados de soslaio. Ora, falar em exames é exactamente falar em esforço e trabalho. Provavelmente por isso, ninguém quer crivos de passagem ou reprovação. Defendo, como outras pessoas, a continuação dos exames nacionais do 12º Ano, mas apoiaria qualquer movimento que fizesse campanha pela re-instauração de exames no final do 1º ciclo (4ª ano), assim como no 6º e no 9º anos. Não são os exames em si que são importantes, mas sim o trabalho que eles implicam para que possam ser facilmente ultrapassados.
Na vida empresarial, nos quadros do Estado, nas profissões liberais, há vencedores e perdedores. Seria bom que a escola preparasse os alunos para esta realidade e não apaparicasse artificialmente os estudantes. Quando fracassamos, que não procuremos encontrar culpas fora de nós próprios. Fortalecer os estudantes, ensinar-lhes que a auto-responsabilidade está no fulcro de uma pessoa bem-formada, é uma postura essencial. A vida não é um passeio através de uma play-station. Os colegas de emprego não são nossos pais para nos proteger. Temos de saber defender-nos encontrando dentro de nós energia e vontade de nos esforçarmos para nos superarmos. Uma escola que fomente os "coitadinhos" está condenada ao fracasso. Repare-se, se queremos exemplo mais frisante desta realidade, nas numerosas famílias de imigrantes dos países de leste que insistem em fazer os seus filhos voltar ao país de origem para lá fazerem ou continuar os seus estudos. Queixam-se, justificadamente na minha opinião, de o nosso sistema ser na generalidade demasiado fácil e permissivo.
Enquanto não arrepiarmos caminho e enveredarmos pelo rigor e pela exigência, o país não avançará. Pior: cada ano que passa será um retrocesso para Portugal neste sentido, já que a maioria dos países com os quais competimos se vão apetrechando melhor. É pena que isto suceda. E a culpa, se é que ela pode ser assacada a alguém em particular, não é necessariamente da matéria-prima. Parafraseando Camões: "Fracos reis fazem fraca a forte gente."

7/09/2007

Fronteiras-cicatriz

O facto de Portugal ser o país que, até ao final do corrente ano, acolhe a presidência da União Europeia leva-me naturalmente a desejar que tudo corra bem adentro das nossas portas. Aliás, desejaria sempre o mesmo relativamente a qualquer outro país anfitrião.
É curioso ver como nós temos vindo a evoluir desde a altura em que, em 1986, entrámos com cabeça, tronco e membros, na CEE, que depois se tornou União Europeia. Já há cinco anos que lidamos diariamente com o euro, o qual se transformou de facto no símbolo mais visível da União. Muita coisa tem mudado no país, entretanto. As vias de comunicação, referindo-me não só a auto-estradas mas também a pontes e aos metropolitanos do Porto e de Lisboa, são possivelmente a face mais visível da mudança, mas esta abrange todos os sectores da nossa vida e sociedade. Ainda agora vejo, aqui em Lisboa, o prolongamento da linha do Metro Alameda para os lados de S. Sebastião da Pedreira a ser subsidiada pela UE em mais de 70 por cento. Isto significa que, se fôssemos a contar apenas com o trabalho produzido pelos portugueses, estas obras ou nunca se realizariam ou só o seriam numa data muito posterior. Neste sentido, a UE acelera processos, exactamente como a educação pretende fazer relativamente às pessoas.
Pessoalmente, sinto que tenho evoluído na minha opinião sobre a União Europeia. Em Outubro de 1998, quase há uma década, eu escrevia o seguinte: "Hoje, Portugal é um país diferente, embora muito da ordem antiga tenha permanecido. Ao entusiasmo da revolução seguiu-se o desapontamento por alguns excessos. Tal como as ondas do mar que voltam ao mesmo sítio na praia, os antigos detentores do capital voltaram às suas coutadas e foram tolerantemente recebidos pelos portugueses. Há um certo apaziguamento da sociedade. Aqui, como noutros países, os grandes defendem o downsizing do Estado para poderem agir segundo as regras do mercado, as quais naturalmente os favorecem. O Estado, ao ver que não os consegue bater, une-se a eles. O pretexto para tudo é a União Europeia, a qual nunca foi alvo de referendo em Portugal, seguindo a linha que já vinha de trás, do tempo de Salazar: "O Ultramar não se discute, cumpre-se." O princípio manteve-se: "A Europa não se discute, cumpre-se." E tem-se cumprido. O que é do futuro só o futuro o dirá."
Agora já estamos dentro desse futuro, e mais futuro está a ser gerado. Será a União uma verdadeira união? Considero que os instrumentos que entretanto foram criados têm feito com que, pelo menos formalmente, assim seja. Contudo, gostaria de citar aqui (de cor) uma frase que ouvi há cerca de um mês: "As fronteiras entre os vários países da Europa não são meros riscos num mapa; são as cicatrizes das muitas batalhas e guerras que entre si os países europeus travaram." A diversidade europeia é natural e óbvia. Diferentes povos, de múltiplas origens, condicionados por geografias diversas, clima, etc. não poderiam nunca produzir sociedades iguais. Na generalidade, poder-se-á dizer que os países têm muitos pontos em comum no que toca a desejos materiais. São, porém, muito diferentes na alma. É fácil de ver como as cicatrizes se reavivam e, às vezes, até infectam, aquando de disputas desportivas e de posicionamentos políticos. Veja-se o caso da Polónia com a Alemanha, da Áustria relativamente à entrada da Turquia na União Europeia, de Portugal com a Espanha, da França com a Alemanha, da Inglaterra com a França, das duas partes da Bélgica, etc. etc.
É aqui que se vê a importância do conhecimento da infância e adolescência desses países. É aqui que quem gosta de História sente um prazer especial em entender o modo como as coisas se passaram. À medida que aprofunda os seus estudos e lê outras fontes que não apenas as iniciais, compreende que a sua primeira visão estava muito longe de abarcar tudo e fica consciente de que as novas coisas que entretanto aprendeu não serão ainda a última palavra. Presentemente, ver o processo histórico a desenrolar-se frente aos nossos olhos é uma possibilidade extraordinária. É que há muito de novo. A União Europeia é, de facto, uma experiência original. Embora vários dos seus instrumentos se baseiem na forma como a Alemanha se constituiu durante o século XIX, este processo apresenta diferenças flagrantes, a começar pelo elevado número de línguas nacionais (na constituição da Alemanha existia unidade linguística, foi criada uma moeda única e foram abolidos os direitos alfandegários). Espera-se que a experiência resulte. Num mundo incerto, a Europa que perdeu as suas antigas colónias uniu-se e tornou-se uma grande potência, um interlocutor incontornável. O que virá a seguir? Um suavizar das cicatrizes ou um reavivar de histórias antigas? Espectadores e actores, estamos a ler e, em escala ínfima, a escrever um livro. Espera-se que tenha muitas páginas, não seja demasiado maçador nem guerrilhento, e seja vivo, inovador e actuante. Dentro dos parâmetros históricos das cicatrizes fronteiriças, admito que até agora não me tem decepcionado.

7/05/2007

Uma escapada ao centro do país (II)




Conforme prometido no post anterior, estas são apenas mais umas breves linhas sobre uma recente ida à Beira. Vão basicamente abordar dois pontos: um, os incêndios; o outro as torres eólicas.
A Beira tem sido das zonas mais afectadas por incêndios nas últimas décadas. A constatação da existência de vastos pinhais na zona visitada causou-me grande alegria. Quando vejo pinheiros, não sou capaz de imaginar a terra seca, desgastada e inútil passados alguns anos, muito ao contrário do que sucede com as plantações de eucaliptos após terem cumprido o seu papel económico. Os pinheiros mantêm a terra, crescem em matas, como crescem os carvalhos, os castanheiros e as nogueiras. Não estiolam tudo à sua volta. O eucalipto, quando integrado em matas como as que refiro no meu último texto, é uma bela árvore, imponente por vezes no seu grande porte. Infelizmente, não é esse o eucalipto que ultimamente temos tido. Na ressaca de incêndios, chegam as novas plantações, com crescimento fácil, rendimento avultado, mas esgotamento do solo passados poucos anos. Sucede que, mais ou menos nas mesmas alturas onde encontrei os rebanhos de cabras, se me depararam zonas ardidas há poucos anos, agora já plantadas com eucaliptos em elevado número. Entretanto, tocou-me encontrar ainda alguns pequenos tufos de pinheiros chamuscados, que lograram resistir ao fogo (posto) e se mantiveram obstinadamente de pé. Não longe dos novos eucaliptos, como a foto mostra.


Se esta foi uma nota negativa - pelo menos do meu ponto de vista - não posso deixar de saudar toda uma outra movimentação que por aquelas bandas se vê: um (possivelmente) vasto conjunto de torres eólicas que está a ser montado. As torres não vão decerto causar perturbação de monta nem às isoladas aldeias nem às centenas de cabrinhas a que me referi, que ainda ficam a uma distância razoável. Vão, por outro lado, contribuir com a sua quota-parte para a diminuição da factura de importação de energia do país. Foi interessante assistir à chegada e montagem dos quatro tramos para cada torre (cerca de 80 metros de altura) e das pás. Foi também um espectáculo que constituiu um tremendo efeito contrapontal, relativamente ao primitivismo e à virgindade daqueles locais, ver as encumeadas estarem a ser equipadas com o state-of-the-art em matéria de tecnologia de aproveitamento do vento para produção de electricidade. Tudo com a devida bênção de S. Macário, que é ainda o santo que mais manda em todas aquelas paragens através de uma pequena capelinha que, ao que me disseram, é ainda hoje alvo de uma animada romaria.

7/02/2007

Uma escapada ao centro do país (I)


Durante uns escassos cinco dias, dei uma volta pelos concelhos de Oliveira de Frades, Vouzela e S. Pedro do Sul. Valeu a pena. É quase sempre agradável para o citadino dar uma saltada ao país interior. Aqui foi também uma viagem ao país da água. Deu-me um extraordinário prazer encontrar inúmeros arroios, riachos, ribeiros, além de rios como o Vouga e o Sul a encharcarem terras, criando assim as “ulveiras” – aquelas que mais tarde se transformaram em “oliveiras”, como sucede com Oliveira de Frades, Oliveira do Hospital e Oliveira de Azeméis. A floresta que encontramos é a antiga, com fetos - inúmeros fetos - a ocuparem a parte mais baixa, ladeados de madressilvas, silvados de outro tipo e aloendros, e depois a grande panóplia de árvores - os imponentes carvalhos, loureiros, teixos, freixos, choupos, cedros antiquíssimos, plátanos, amoreiras, robustos eucaliptos, nogueiras e castanheiros. Este é um tipo de floresta que costumava cobrir uma parte substancialmente maior do Portugal de há umas décadas.
O excepcional arranjo da vila de Vouzela, com seus relvados e jardins bem decorados com hortênsias, agapantos, camélias, glicínias e buganvíleas, o centro histórico de Oliveira de Frades e a sua desenvolvida zona industrial - onde se encontra a agora muito falada Martifer - e a aprazível calma das Termas de S. Pedro do Sul, com um novo centro termal inaugurado no passado mês de Junho, uma higiene impecável nas ruas e uma boa planificação evidente em vários pormenores, tudo me impressionou muito positivamente. É um país de que pouco se fala, talvez por não haver grandes quezílias políticas e lutas entre barões partidários. Possivelmente, eu não deveria estar a escrever estas linhas, porque não são notícia.
Voltarei a referir-me à zona num próximo post. Por ora gostaria apenas de mencionar uma cena que adorei presenciar. Não terá sido nada de inédito, admito, mas para mim foi marcante. No topo de montes imponentes da Serra de S. Macário, na área de aldeias que dir-se-ia perdidas - algumas estão de facto virtualmente desabitadas - deparou-se-me na manhã em que lá fui um enorme número de cabras que, em pelotões sucessivos, vinham para os seus pastos. Talvez umas duas centenas ao todo. Sozinhas, juntamente com corpulentos bodes, tinham subido por carreiros íngremes, atravessavam depois a estrada em que eu me encontrava e encaminhavam-se para os melhores pastos da zona. Tudo sem um pastor, sem um cão, sem nada. Dir-se-ia que caminhavam teleguiadas. Como vim a saber posteriormente, ao fim do dia, pelas cinco horas, iriam iniciar o seu percurso de regresso e cada cabra sabia exactamente qual era o seu lugar de destino. Aquela organização calma e disciplinadíssima dos bichos, no meio de uma paisagem agreste mas muito bela e virginal, bem no alto de tudo e com nuvens preguiçosas ainda a pairar por ali perto, constituiu decerto um dos momentos mágicos desta escapada ao centro do país. A quem não conheça ainda o local, permito-me aconselhar vivamente uma ida.