6/29/2010

Dom João II não está só



Posso estar muito enganado nesta minha congeminação. E, admito, não seria naturalmente a primeira vez que isso sucederia. Contudo, se neste momento não estivesse convencido do que penso, não traria o assunto aqui para o blogue; com fotografias e tudo, para que outros se possam pronunciar também. A transparência é assim.

Quando a estação do metropolitano da Alameda foi construída, foram feitas escavações bastante profundas para permitir a coexistência de duas linhas a níveis diferentes: a Linha Vermelha, até à Expo98 (altura em que foi inaugurada) e a Linha Verde do Cais do Sodré ao Campo Grande, já existente. O planeamento foi impecável, a encomenda aos artistas para a decoração final também. Salvo erro, um ou dois meses antes da inauguração da Exposição Mundial de 1998 já estava tudo pronto. As estações da nova Linha Vermelha surgiram magníficas, com a colaboração de artistas portugueses e estrangeiros. Adorei a das Olaias, concebida pelo arquitecto Taveira na sua decoração, com um notável espaço muito amplo e muito colorido, colunas que sobressaíam pelas suas dimensões, e azulejos. A Estação da Bela Vista, com azulejos da autoria de Querubim Lapa, estava um espanto. Chelas e Olivais não destoavam, a estação de Cabo Ruivo talvez tivesse um pouco menos de cor, mas se isso sucedia era apenas porque se queria realçar sobretudo a Estação do Oriente.

Sendo o tema da EXPO98 Os Oceanos, não admirou que as composições retratassem temas ligados ao mar e às descobertas. Na então estação inicial da Linha Vermelha – a da Alameda - a decoração foi entregue a Costa Pinheiro, um notável artista português que tem passado muito da sua carreira artística no estrangeiro, nomeadamente na Alemanha. Como artista, Costa Pinheiro executou na sua carreira pessoal, para além de notabilíssimos retratos dos vários heterónimos de Fernando Pessoa, uma série que considero excepcional - Os Reis -, onde retrata figuras bem conhecidas da História de Portugal. Para a decoração desta estação, Costa Pinheiro deveria apresentar, conjuntamente com instrumentos de navegação usados nos séculos XV e XVI, retratos de figuras proeminentes da saga dos descobrimentos portugueses. Como seria de esperar, lá estão representados o Infante D. Henrique, Fernão de Magalhães, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e o monarca que concebeu muito do plano da expansão marítima: Dom João II.

Ora é a representação deste rei Dom João II que me surge algo estranha. Olhando para o retrato de Dom João II segundo Costa Pinheiro, não me custa entrever uma segunda personagem. E, embora para isso eu pudesse e devesse fazer uma pergunta directa de esclarecimento ao pintor de Os Reis, avanço com uma suposição que me parece ter fortes possibilidades de ser correcta: a figura de Dom João II, um grande rei, está apresentada juntamente com a de um outro personagem do mundo actual que, exactamente junto à Fonte Luminosa, na Alameda em que a estação se situa, foi o grande líder de uma manifestação decisiva em 1975 contra o partido comunista, o qual, após o 25 de Abril, tinha tomado as rédeas do poder e controlava a maioria dos meios de comunicação social. A minha "tese" é a de que o retrato de Dom João II não representa uma única homenagem ao rei, mas também ao rei da liberdade proclamada bem alto ali na Alameda - alguém que, tal como D. João II, tinha tomado uma acção crucial para dar rumo à nau que é Portugal (e o mar estava bastante encapelado). Esse nome, para os que já não se recordem do acontecimento, é o de Mário Soares. Olhando para o retrato no azulejo é notória a parecença de um dos lados da figura representada com o antigo Primeiro-Ministro e Presidente Mário Soares, com as suas características bochechas plenas de bonomia. Os olhos da figura, se se reparar bem, são representados por duas pombas, símbolos de paz e liberdade. Toda a figura é dupla nos cambiantes de cor, mais escura na parte do rei (barbado) já há muito falecido, e mais clara para a outra alegada personagem. Terei razão?

Na próxima vez que passarem na estação da Alameda, dêem uma mirada mais atenta às personagens que Costa Pinheiro pintou em 1997. Esta a que particularmente me refiro está situada junto às portas de controlo automático de bilhetes que dão para as escadas junto à sucursal do Banco Millennium, na Alameda Afonso Henriques. Acho que vale a pena dar uma saltada até lá.

6/27/2010

No dia em que o Gana derrotou os Estados Unidos


(A foto é retirada de uma reportagem da BBC News.) Foi ontem. A alegria nas ruas de Acra, capital do Gana, foi indescritível. Porquê? Porque a selecção nacional ganesa bateu a equipa dos Estados Unidos e entrou nos quartos-de-final do campeonato do mundo de futebol que está a decorrer na África do Sul. É agora a única nação africana ainda a competir. Será que uma vitória destas merecia tanta celebração? Simbolicamente, acho que sim.

A história do Gana é, como toda a história de África, muito antiga, mas infelizmente só se começa a saber algo com um pouco mais de detalhe após os primeiros contactos com os europeus. No caso do Gana, esses primeiros europeus foram os portugueses. Em 1470 (22 anos antes de Colombo chegar à América). As explorações marítimas portuguesas interessavam-se por várias coisas, nomeadamente matérias-primas (as commodities de hoje) e escravos. Foram dividindo a costa ocidental de África segundo esse critério. Após a Costa dos Cereais, delimitaram uma Costa do Marfim, passaram para uma Costa do Ouro e terminaram esta série com a Costa dos Escravos. De todas, apenas se mantém com o mesmo nome a Costa do Marfim. A Costa dos Escravos é a actual Nigéria, cuja capital é Lagos, nome da cidade portuguesa onde desembarcavam os escravos africanos para serem vendidos. Quanto à Costa do Ouro, actual Gana, ela tinha um interesse especial, na medida em que o ouro é sempre moeda de troca para tudo. Os portugueses interferiram nessa altura no habitual fornecimento de ouro para a Europa, comerciando-o com os reis do Gana e desviando-o assim para a sua rota das Índias. (Uma curiosidade: devido à consequente escassez de ouro, ocorreu na Europa uma exploração maior de um metal alternativo: a prata. Da prata extraída da Boémia, hoje República Checa, nasceu o Thaler, que com a enorme emigração da Europa Central para a América veio a transformar-se no dólar.)
No Gana os portugueses fundaram uma feitoria: S. Jorge da Mina. No entanto, o ouro chama muita gente, e pelo Gana passaram ao longo dos séculos vários outros povos, que dominaram várias partes daquelas costas: suecos, dinamarqueses, holandeses, alemães e, como não podia deixar de ser, ingleses.
Finalmente, há 53 anos o Gana tornou-se um país independente. Da proclamação da independência saiu uma célebre frase: "É melhor sermos independentes e governarmo-nos sozinhos, bem ou mal, do que sermos governados por outros."(O dito popular diz mais ou menos o mesmo de outra forma: "Mais vale ser cabeça de rato que cauda de leão.") Uns tempos após a independência, foi publicada no Gana uma listagem de ordens honoríficas. De entre estas, a mais importante deu brado: a Real Ordem do Mosquito. Porquê? Porque se não fosse o mosquito, possivelmente ainda hoje seriam os brancos que estariam a dominar o Gana.
Presentemente, o Gana possui uma economia relativamente fraca, baseada nos seus recursos naturais, nomeadamente o ouro, que se mantém, embora em menor escala, madeira e cacau. O país possui também algum petróleo e diamantes.
No palco do mundo, com o jogo a ser transmitido para todo o globo por inúmeras cadeias de televisão, a vitória em futebol sobre os Estados Unidos – símbolo do ocidente colonizador que ocupa ambos os lados do Atlântico Norte – fez o Gana rejubilar. As sucessivas humilhações começam a ser engolidas pelo Ocidente.
No seu interessantíssimo livro Ébano, Kapuscinski faz notar uma realidade que eu próprio ainda parcialmente testemunhei em África: "A diferença de raça e de cor da pele foi o tema central, a raiz das relações entre europeus e africanos na época colonial. O branco era o senhor incontestável enviado por Deus para dominar sobre os negros. Aos africanos era dito que o branco era intocável e invencível. Era esta a ideologia que o sistema colonial defendia, na qual se baseava a convicção de que não fazia qualquer sentido pôr em causa o sistema ou revoltar-se contra ele."
Compreende-se agora talvez melhor a razão do nome dado à selecção do Gana – os Black Stars – e o orgulho e alegria que os jogadores e toda a população sentiram por esta vitória.

Três breves citações da Escrita de Referência

A primeira citação é sobre o item Castidade: "Senhor, dai-me a virtude da castidade e da continência. Mas ainda não!" O autor? Santo Agostinho, quando jovem.

A segunda é sobre dinheiro. Autoria de Sacha Guitry: Quando alguém diz que o dinheiro não traz felicidade, está com certeza a referir-se ao dinheiro dos outros."

A terceira e última é dos anarquistas. Foi muito popular em Portugal na segunda metade dos anos 70: "Putas ao poder, que os filhos já lá estão!"

6/23/2010

Nadir Afonso - Palavras na abertura de uma exposição



Fui ontem ao fim da tarde ao Museu do Chiado à inauguração da exposição retrospectiva de Nadir Afonso (até aos anos 60). Sempre gostei da pintura de Nadir pela sua criatividade, frequentemente baseada na cor e na geometria. No geral agradou-me a exposição, que se estende por diversas salas dos andares superiores do museu. Admirei especialmente alguns quadros sobre cidades, cheios de poder interpretativo do essencial urbano e dentro das características de jogos de cor e de figuras geométricas típicas do artista (as suas reproduções em azulejo numa das estações do Metro de Lisboa são bem conhecidas).
Porém, o que me seduziu mais, devo dizê-lo, foi a presença do próprio Nadir. Antes de chegar ao museu, perguntava-me se ele lá estaria. Aos 90 anos, ele poderia já permitir-se ficar em casa alegando uma maleita qualquer. Não foi a sua escolha, felizmente. Apareceu, embora de aspecto algo débil e frágil, como aliás seria previsível. Durante a apresentação que precedeu a visita, o facto de a assistência e os quatro oradores estarem de pé constituiu uma particular violência para o artista até ao momento em que alguém, piedosamente, se lembrou de lhe colocar uma cadeira para que ele se sentasse. Quando chegou a vez de Nadir falar, o transmontano de Chaves, que é arquitecto, e como tal trabalhou em França com figuras célebres como Le Corbusier e, no Brasil, com Óscar Niemeyer até se dedicar exclusivamente à pintura a partir dos anos 60, levantou-se, sacou de um papel que tinha rascunhado e iniciou a leitura. Ao fim do primeiro minuto, porém, esqueceu o papel. A sua voz, de um tanto sumida a princípio tornou-se vibrante e francamente mais elevada. Era de dentro de si próprio que falava, qual realizador de um filme de que ele fosse o actor principal. Falou de arte. Da arte que não se explica, apenas se faz e se contempla. Cheio de entusiasmo, negou a interpretação de quadros pela simples expressão da alma do artista ou por correntes ideológicas do seu tempo, embora admitisse a sua influência. A ele importava-lhe mais a resposta a uma questão: porque é que o artista põe ali um triângulo e não um quadrado, acolá um círculo e não uma elipse? "Demorei muitos anos a colocar-me a mim próprio esta pergunta, sem encontrar uma resposta", confessou. "Um artista que pinta a natureza não copia, dá realce a uma árvore, a uma casa, a um outro elemento. Porquê? O que é que o faz mover o lápis ou o pincel para realçar este ponto ou aquele?" A sua resposta foi aparentemente simples mas, como ele salientou, de enorme importância: "tudo deriva da existência de leis matemáticas a que o artista inconscientemente obedece, porque elas estão dentro de si, integram o seu conceito de harmonia, completam a sua tentativa de perfeição naquele momento. A paleta das cores está aí igualmente incluída: cor é forma". A veemência com que as suas palavras foram ditas e repetidas, a profunda convicção de que estava possuído, a insistência na importância deste ponto contra outros geralmente salientados pela crítica, que podem ser mais bem soantes mas são puramente balofos, não pôde deixar de me impressionar. O homem pequeno de estatura que Nadir é agigantara-se em tudo para dar a sua verdade, falar do mais íntimo do seu ser.
Ter o artista a falar assim e vê-lo depois, acompanhado pela Ministra Gabriela Canavilhas, a fazer uma visita a quadros que eram seus filhos mas que não via há muito tempo e que recordava com saudade, ajuntando uma informação aqui sobre esta linha ou ali sobre aquela cor, foi um momento francamente interessante.
Quanto à exposição, recomendo-a por ser uma recolha quase exaustiva da produção de Nadir no período acima mencionado. Pessoalmente, no entanto, foi a presença do artista, com a veemência das suas palavras e a sua atitude gestual enquanto falava frente a críticos de arte e a pessoas interessadas, que mais fundo me tocou.

6/20/2010

A morte serve para que possamos continuar a viver


A frase acima é de José Saramago, cuja morte nos trouxe a inevitabilidade da surpresa que todo o desaparecimento de um criativo muito conhecido nos causa. Alguém que cria e recria um mundo que é também o nosso, que reflecte provocatoriamente sobre aspectos da nossa cultura tradicional, faz com que muitos de nós levemos para a nossa própria casa exemplares das suas notáveis criações. É lá que queremos desfrutá-las em paz, saboreá-las na quietude de um recanto que costumamos reservar para o nosso prazer de leitura. Relativamente aos pintores e aos escultores, o escritor tem a vantagem de produzir obras que, pela acessibilidade do seu custo, se tornam facilmente parte do espólio de cada um e se distribuem por muitos lares e bibliotecas de diversas comunidades. Quando, para além do deleite natural da sua leitura, a esse escritor devemos o orgulho nacional de um Prémio Nobel, partilhado não só por toda a larga comunidade de língua portuguesa como, or razões circunstanciais, igualmente pela vastíssima comunidade de língua castelhana, sente-se um vazio tremendo com a sua morte. O criativo deixou de criar. A realidade, porém, é que o seu legado não é pequeno e possui um inegável valor. Para a nossa geração e para as que a seguem.
No que me diz respeito, relembro aqui, de entre muitas outras, as páginas introdutórias do Levantado do Chão. Comoveram-me verdadeiramente, de tão bem escritas que estão. Ao lê-las, senti tudo tão fluido, fluente e natural como se as palavras brotassem da nascente puríssima de um rio. Não me esqueço dos minutos de enorme prazer, nem do local – diferente dos habituais – em que fiz essa leitura.
Há aspectos que marcam e identificam as pessoas. A liberdade de pensamento, a irreverência da escrita e o frequente diálogo com o leitor encontram-se certamente nesse número relativamente a José Saramago. Merece certamente todas as homenagens que lhe forem prestadas.

6/16/2010

Quem ousará dizer que a nossa sociedade é a mesma?


Ainda há indivíduos que gostam de dizer que a sociedade portuguesa pouco evoluiu. Segundo essas pessoas, mantemos muitos dos mesmos modos de antanho e seríamos facilmente reconhecíveis por alguém que tivesse vivido há sessenta ou setenta anos.
É claro que sei que da mesma forma que uma andorinha não faz a primavera, um exemplo só por si não faz regra. No entanto, não consigo resistir à tentação de ilustrar um caso que me parece bem significativo da flagrante evolução que a nossa sociedade tem sofrido.
De limpeza a um sótão onde se acumulam montes de coisas velhas, descobri no sábado passado uma modesta maleta onde se encontravam cartas pessoais, cartões antigos de Natal, páginas com orações a vários santos e umas folhas algo rasgadas e descoloridas que continham… minutas de cartas de amor. Foi uma surpresa, devo dizer. Reproduzo aqui a página de rosto da "Nova Colecção de Cartas Amorosas para ambos os sexos". Como se pode inferir desta página, a compilação reúne cartas tanto em prosa como em verso. A maioria delas é, como seria de esperar, em prosa.
Será que hoje ainda haveria público para coisas destas, mesmo que elas fossem "aggiornadas"?
As duas primeiras missivas são declarações de amor. Temos de imaginar uma sociedade portuguesa com muitas pessoas que não sabiam ler e um número ainda maior das que não sabiam escrever. Daí o recurso a fórmulas estereotipadas, como as apresentadas nesta "nova colecção" (o êxito da primeira edição terá decerto sido grande).
Transcrevo as duas primeiras cartas, porque me parecem ilustrativas do estilo. Datam da década de 1930, em pleno regime salazarista do Estado Novo, a poucos anos do começo da segunda guerra mundial.
Dirigida a uma formalíssima Exma. Snra., a primeira carta apresenta o seguinte como texto:

A paixão e o dever obrigam-me a revelar a V. Exa. uma cousa que já não posso ocultar-lhe. Há muito que a amo, mas se fosse tão desditoso que, depois de lhe ter feito esta declaração, V. Exa. rejeitasse as minhas atenções, que mortal sobre a terra seria mais que eu digno de piedade? E poderia eu vê-la sem a adorar? Rogo-lhe, pois, não recuse duas palavras traçadas pela sua delicada mão ao que fará consistir toda a sua ventura em lhe agradar, e se confessa tão apaixonado quão sincero. Seu (Augusto).

A segunda carta, definida como "Declaração de amor simples e sem afectação", tem um começo ligeiramente menos cerimonioso: Senhora: Depois desbobina uma lenga-lenga quase própria de canção do bandido. Vejamos:

Quando por um feliz acaso conheci a família de V. Exa., pela qual fui honrosamente acolhido, não pensava perder a minha liberdade com essa visita. Sim, amável senhora, apenas meus olhos se fitaram em seu belo semblante, amoroso ardor penetrou em meu peito e foi aumentando à medida que tive a dita de gozar a sua estimável presença. Como sei apreciar devidamente os preciosos dotes com que a ornou a natureza, justo é que V. Exa. premeie um dia tal apreço, concedendo-me a mão de esposa. Eu já declarei ao pai e à mãe de V. Exa. as minhas legítimas intenções e ambos as aprovaram. Espero que os autores dos meus dias, cujos haveres regulam pelos da família de V. Exa., coroarão os meus ardentes desejos outorgando-me o seu consentimento. Mas deveria eu unicamente tamanha ventura a cálculos interesseiros ou a obediência passiva? Fale, minha senhora, declare franca e lealmente se já dispôs do seu coração. Essa confissão evitará a V. Exa. futuros desgostos e a mim o de me constituir o mais desventurado dos esposos. Se a resposta de V. Exa me for lisonjeira, correrei a lançar-me a seus pés para lhe jurar que por toda a vida sou respeitosíssimo e fiel amante. (Ernesto)

Um último exemplo, numa carta em verso, da qual transcrevo apenas a primeira quadra.

À Amélia

Anseias, tremes, suspiras!
Vem-te às faces o rubor,
Ao ouvires, meiga, os meus cantos,
Porque são cantos de amor.


Basta de transcrever lamechices deste tipo. Quem escreveria hoje desta forma? Quem ousará dizer que a nossa sociedade é a mesma?

6/11/2010

Sobre a sustentabilidade do "insustentável"

No seu discurso do 10 de Junho, o Presidente da República portuguesa afirmou que a situação do país é insustentável. Foi a adjectivação mais dura que já lhe ouvi. Da sinceridade da sua afirmação não duvido e até da justeza da palavra. Ouso perguntar, entretanto, se o deveria ter feito. Ontem mesmo coloquei neste mesmo local um texto sobre palavras igualmente sinceras, e possivelmente correctas, ditas recentemente pelo Presidente da República da Alemanha. No caso alemão, as palavras do Presidente acabaram por provocar uma polémica que lhe desagradou e o levou a apresentar a sua demissão. Não é nada disto que está em questão em Portugal, mas sim a correcta aplicabilidade da adjectivação para incentivar o povo português e fomentar em todos o espírito de união e de consciência da necessidade de sacrifícios de que Cavaco Silva igualmente falou.
Não é impossível que eu tenha já alguma vez mencionado aqui uma história que se passou há bastantes anos com o meu filho na Escola Alemã, que ele então frequentava. Devido a classificações fracas a duas disciplinas, a escola não lhe deu as notas habituais nalguns testes de outras disciplinas. Era a política da escola para que o aluno arrebitasse, soube eu directamente do director, com quem me avistei. Tivemos uma conversa muito interessante e franca, na presença do director de ciclo, que se mostrou igualmente interessado no assunto. Concretamente, eu tinha visto um ponto de Inglês do meu filho classificado salvo erro com uma nota correspondente a 11. O teste merecia francamente mais, mas esta tinha sido a nota. O miúdo sentiu-se injustiçado e algo perdido. Ora, era isso exactamente o que a escola não pretendia; pelo contrário a escola queria que ele reagisse com redobrado ânimo para recuperar da situação menos habitual nele. Concluímos que estávamos em presença de duas culturas: a alemã e a portuguesa. Os portugueses são, no geral, menos rijos e disciplinados do que os alemães. Como a escola tinha turmas para portugueses e outras para alemães, foi mudada ligeiramente a política: manteve-se a rigidez nas notas, mas foi decidido não fazer passar a outras, como por osmose, o fraquejamento numa ou em duas disciplinas. Achei extraordinária de fair-play a reacção da direcção na altura (soube por uma professora da escola que tinha havido uma reunião dos professores sobre o assunto). O caso não tinha que ver só com o meu filho, naturalmente, mas já agora informo que quando as outras notas dele voltaram ao normal ele recuperou o ânimo e acabou por passar em todas as disciplinas, como aliás sempre tinha sucedido.
A pergunta agora é: o emprego do adjectivo "insustentável" vai levar o povo a reagir, a trabalhar mais e a exigir menos, a ser mais colaborante e a compreender que, mesmo que seja no futuro, não podem existir benefícios sem sacrifícios? Ou, pelo contrário, vai levar o povo a baixar os braços porque se a situação é insustentável não vale a pena lutar, e a tomar uma posição individualista, contra os políticos, já que afinal estes não souberam gerir os milhares de milhões de que a Europa mais rica colocou à sua disposição?
Pelo seu lado, o Governo tem dado demasiados sinais contraditórios. Tão depressa diz que a situação é difícil como embandeira em arco por ter havido um ligeiro saldo económico positivo durante um trimestre. Faz coisas incríveis como esta de deixar de fora os cortes salariais aos assessores e directores-gerais, como se estes não fossem cargos com uma fortíssima conotação política.
Pede-se coesão, e o que ressalta são opiniões contrárias. Relativamente ao turismo, o Presidente teve toda a razão. Aconselhar os portugueses a comprarem tanto quanto possível "produtos" nacionais não vai levar a nenhuma retaliação contra Portugal, até porque o país não está contra nenhum outro em particular mas sim, e apenas, a defender-se perante a situação. Tal como sucede com os gregos. Estas não são atitudes susceptíveis de criar nenhuma animosidade da parte de todo o estrangeiro. Toda a gente as entende. E, diga-se o que se disser, quem é rico continuará a ir gozar as suas férias no estrangeiro. Já agora, importante é que os membros do governo passem as suas férias em Portugal. Tal como sucede com as crianças que prestam mais atenção aos actos dos seus pais do que aos seus conselhos, a população de um país revê-se nos actos dos que a governam mais do que nas suas palavras. "Bem prega Frei Tomás" é coisa que todos nós estamos fartos de conhecer.
Num blogue de natural partilha, volto a colocar a questão: será "insustentável" um adjectivo demasiado forte ou aquele que mais se ajusta à realidade e à necessidade de uma valente chicotada psicológica?

6/10/2010

Ser Presidente


"Um país com a nossa dimensão, baseado nas exportações, tem de conscientemente entender que o envio de tropas para o estrangeiro é algo necessário." Horst Köhler, Maio de 2010.

Esta frase seria perfeitamente normal e admissível no artigo de um analista político de um país democrático. Mas se for dita por um Presidente da República da Alemanha, como foi o caso de Horst Köhler, as críticas surgirão. Que a mais alta figura de um país deixe no ar a possibilidade de os contingentes militares alemães que estão no Afeganistão acabem por estar ligados à necessidade de protecção de interesses comerciais alemães naquele país asiático é inadmissível – assim julgaram os media. Há verdades que não se podem dizer.
O resultado foi que Horst Köhler apresentou a sua demissão. Tratava-se um Presidente que cumpria o seu segundo mandato, após ter sido reeleito pelo povo alemão. Este é um óptimo exemplo da hipocrisia que grassa na política. Talleyrand teve mais uma vez razão: as palavras servem para dissimular o pensamento. Quando este ex-Presidente não dissimulou o seu pensamento, o resultado foi o que se viu.

6/05/2010

Cenas de rua


Para quem passa na rua onde moro, o que mais salta à vista são decerto os automóveis. Estacionados correctamente em espinha, ou em segunda fila quase tão compacta como a anterior, os automóveis e as carrinhas dão frequentemente origem a engarrafamentos, apitadelas monstras ou a simples vozes alteradas. Conseguir arrumar o carro na rua é hoje em dia uma sorte extraordinária. Os dois postos da EMEL que aqui foram colocados estão perfeitamente inoperantes: drogados entretiveram-se durante meses e meses a caçar moedas com um engenhoso arame, retorcido à medida e com ganchinho na ponta. Hoje, como nenhum funciona, o estacionamento para os residentes deixou de ser prioritário. A contribuírem substancialmente para esta situação há na rua, que é relativamente curta, duas oficinas e dois stands de automóveis. Porém, contamos também com uma utilíssima e simpática farmácia, uma escola básica que chilreia de miúdos, uma casa de gelados que é dos poucos sobreviventes dos antigos sorvetes caseiros, além de quatro pequenos cafés-pastelaria, cada um deles com a sua esplanada. Uma papelaria, dois cabeleireiros (um deles para homens) e um dentista compõem o ramalhete. Os prédios são geralmente de cinco andares e datam de há 70 anos, mais coisa, menos coisa. A maioria das pessoas já aqui vive há um ror de anos.
O Sr. Romão é um desses. Conheço-o desde que vim para aqui morar. Não nos falamos mais do que bom dia, boa tarde, mas cumprimentamo-nos. O Sr. Romão está reformado. Como todo o pensionista que ainda tem saúde suficiente para sair de casa, tem na sua rotina a compra do jornal. O seu favorito é o Correio da Manhã. Antes de levar o periódico para casa, passa pelo menos uma hora dentro do seu automóvel, que possivelmente conseguiu estacionar estrategicamente durante um fim-de-semana e no qual nunca mais mexeu. Durante anos, o Sr Romão teve um velhíssimo Volkswagen Golf, já comprado em terceira ou quarta mão, que se apresentava com vários pontos de ferrugem e bastante despintado no capot e no tejadilho. Por volta das 9 e meia da manhã ele sentava-se no seu carrito e, sempre receoso que a bateria se tivesse ido abaixo durante a noite, punha o motor a trabalhar e assim o deixava enquanto ia lentamente folheando e saboreando o seu jornal, possivelmente antegozando as novidades que iria contar à patroa que entretanto estava na cozinha a preparar o almoço. Cheguei a vê-lo às 11 horas ainda dentro do carro, sempre com a janela do seu lado aberta. O motor continuava a trabalhar. Aquela bateria iria durar uma vida. Há dias fui surpreendido. O Sr. Romão lá estava dentro da viatura a folhear o seu Correio da Manhã que, como sempre, tinha comprado na papelaria da rua, mas o automóvel era outro! Em vez do descorado VW, agora tinha um Peugeot preto. Deve dar-lhe bastante gozo, a ele que nunca vi tirar o carro da rua, ter mudado de viatura! O carro não é exactamente novo, mas sim de 2004. O Sr. Romão não se pode dar ao luxo de comprar carros novos, mas agora este tem a pintura impecável, o leãozinho da marca atrás e à frente, e, vantagem das vantagens, já não é preciso gastar gasolina a carregar a bateria! Agora, é em silêncio que o Sr. Romão lê sobre as traficâncias políticas e os crimes que se cometem por aí fora. As viagens paradas, com as rodas do carro a tocarem no passeio, mantêm-se as mesmas, mas deve ser para ele uma extraordinária sensação poder usufruir do prazer de estar dentro do seu novo carrito!
Deixemos o Sr. Romão em paz. Ele é um homem pacífico e não o vejo a falar a muita gente. Entretanto, a propósito de falar, achei interessante uma cena que pude observar esta manhã, também aqui na minha rua. Ia eu a caminhar pelo passeio para fazer umas compras na frutaria ali em baixo quando surgiu no mesmo passeio um rapaz alto, de óculos escuros, a falar aparentemente sozinho. De facto, não vinha ninguém com ele. É cena que já foi presenciada por muita gente e que coloca as cidades como locais de muito Fala-Só. É claro que ele estava a falar ao telemóvel, mas como este não se via e o rapaz tinha apenas um auscultador no ouvido, a coisa surgia algo estranha. Entretanto, ele sentou-se à mesa de uma das esplanadas da rua. O contraste dificilmente poderia ser maior: na outra única mesa ocupada estava um casal também aqui residente. Certamente porque já estão casados há muitos anos e conhecem de cor e salteado as conversas um do outro, tanto ela como ele estavam em silêncio, cada um a ler para si uma parte do jornal que tinham comprado. Entretanto chegou o Fala-Só e sentou-se. Fisicamente sozinho à mesa, ele falava exuberantemente, com imensos gestos. Discutia em voz alta os termos de um negócio com um invisível interlocutor. Mantinha uma animadíssima conversa que nem o homem, nem a mulher sentados na mesa ao lado, já conseguiam ter. Quando, minutos depois, passei de volta no mesmo local, ele continuava a falar. O casal, possivelmente ofuscado por tanto paleio e perturbado nas suas leituras silenciosas, tinha debandado.
São cenas triviais, eu sei, mas dão cor e alguma graça ao quotidiano da nossa rua.

P.S. A fotografia acima foi tirada a um domingo. A presença de um carro da polícia e os respectivos agentes nada tem a ver com distúrbios. Tem tudo a ver, porém, com a casa de gelados mencionada no texto e que fica do lado direito da rua. Ela até polícias atrai nos dias mais quentes!

6/01/2010

Candidaturas ao Ensino Superior

Com uma regularidade que já se tornou habitual, há vários órgãos da imprensa que publicam nesta altura do ano um guia nacional de candidatura ao ensino superior. É um serviço informativo que se justifica: a escolha da instituição certa por alguém que termina os seus estudos no secundário nem sempre é uma tarefa fácil. Comparar as médias de entrada do ano anterior de entre as áreas e cursos que se pretende é útil para um aluno verificar se tem probabilidades ou não de admissão na escola X ou Y.
O que este guia invariavelmente mostra é um discutível enviesamento, chamemos-lhe assim, no encaminhamento dos dinheiros públicos no ensino superior. Tentemos analisar por partes esta questão, que não é nova.
A educação em Portugal, tal como sucede em muitos outros países, tem uma componente pública e uma outra que é privada. Estas duas componentes existem desde a pré-primária até ao ensino superior. Quem reside numa cidade tem geralmente as duas hipóteses de escolha. Quem vive em centros mais pequenos, por vezes só conta com o serviço público. Como este é pago pelo Estado até à altura em que o ensino é obrigatório por lei, as famílias de menores recursos encaminham os seus filhos para escolas estatais. Quanto às famílias mais abastadas, elas preferem geralmente estabelecimentos privados, se estes existirem nas localidades onde residem. Tanto na pré-primária como no ensino básico e no secundário os pais com mais posses preferem pagar mais, mas ter aquilo que em princípio será uma educação mais produtiva e disciplinada para os seus filhos. Entende-se porquê. Em tempos hoje já bastante recuados, não eram todos os rapazes e raparigas que prosseguiam os seus estudos depois do chamado exame da 4ª classe. A natural selecção que se fazia entre os mais aptos fazia com que as escolas secundárias públicas tivessem um bom nível, tanto no que respeita ao ensino como à aprendizagem. Com a obrigatoriedade do ensino – amplamente justificada – deu-se uma massificação que, aos poucos, preteriu a qualidade em favor da quantidade. A tendência para igualar por baixo, que é um produto do facilitismo que ainda hoje impera, acabou por prejudicar os melhores. Os pais destes alunos foram gradualmente retirando os seus filhos das escolas públicas. Hoje em dia, dificilmente haverá um filho ou uma filha de ministro a frequentar escolas públicas desde a pré-primária até ao final do secundário. O mesmo se aplica a filhos de médicos, engenheiros, arquitectos, advogados, professores do ensino superior, farmacêuticos, gestores, empresários ricos, etc.
Devido a este facto, ocorreu uma inevitável clivagem na sociedade, que anteriormente também existia mas não era tão pronunciada. Os filhos de pais com nível cultural mais elevado e correspondentes ganhos materiais têm hoje a possibilidade de proporcionar viagens no país e no estrangeiro aos seus filhos, que outras famílias não possuem. Boas bibliotecas em casa, excelentes computadores, cuidados extra de alimentação e saúde, além de conversas e ensinamentos em casa e com os amigos proporcionam aos filhos desses casais um nível que não está ao alcance de todos. É verdade que nem todos aproveitam, mas esses casos, não sendo raros, são também produto de uma aptidão menor dos estudantes e de menor interesse pelo estudo, que às vezes é, mesmo assim, compensado por "explicações", as quais estão também fora do alcance de quem não tem posses suficientes.
Em face desta situação, a maioria dos alunos que acaba por entrar no ensino público superior, que é quase totalmente pago pelo Estado – as propinas nas escolas estatais são sempre muito mais baixas do que as de uma escola privada – é constituída por estudantes com maiores posses. E é aqui que se pode levantar a questão: é justo que sejam os alunos oriundos de famílias mais abastadas a usufruir dos pagamentos do Estado? É que os que obtêm médias mais baixas de admissão ao ensino superior vêem-se frequentemente forçados a recorrer ao ensino superior privado. Sucede, entretanto, que aqui ocorre uma situação inversa relativamente ao ensino secundário: as escolas superiores públicas oferecem um grau de credibilidade e exigência que as escolas superiores particulares não se podem dar ao luxo de oferecer (a Universidade Católica é um caso especial, porque se insere num regime à parte). Por outro lado, seria justo que o Estado preterisse os melhores alunos que se candidatam e admitisse os que têm classificações mais baixas? Existe nesta situação aquilo que para algumas pessoas representa uma perversa utilização dos dinheiros públicos e, para outras, uma situação perfeitamente normal: o Estado premeia os melhores, independentemente da forma como eles se tornaram os melhores.
Mesmo assim, dentro do ensino superior público existe uma diferença notória entre a generalidade dos admitidos pelas universidades – nível mais elevado - e pelos institutos politécnicos, salvo cursos especiais que só existem no ensino politécnico.
O Guia Nacional de Candidatura ao Ensino Superior 2010-2011, tal como vem transcrito na imprensa, espelha mais uma vez realidades diversas, de que salientarei apenas três, embora acrescente alguns considerandos:

1. Enquanto os estabelecimentos públicos revelam, quase sem excepção, as notas mínimas de entrada no ano anterior, as escolas privadas abstêm-se de o fazer. (Uma vez que existe uma boa credibilidade das escolas superiores públicas, todos tentarão escolhê-las, a não ser que nelas não encontrem os cursos que especificamente pretendem frequentar. Por seu lado, as escolas superiores privadas pretendem basicamente preencher os seus numeri clausi, porque sem alunos ou com um número muito baixo não conseguem sobreviver.)
2. Enquanto as notas mínimas de entrada em cursos públicos como os de Medicina, Arquitectura, Direito, Biologia e Farmácia requerem notas elevadas ou relativamente altas (respectivamente, mais de 18, 16/17, 14/15, 13/14, mais de 16), outros cursos há, igualmente públicos, em que as notas mínimas de entrada são baixas, por vezes mesmo ligeiramente abaixo de 10. Aqui há vários factores a ter em conta, sendo um deles o da elevada procura e do numerus clausus. Sempre que o numerus clausus aumenta, as notas mínimas de entrada descem, como seria previsível. (A informação dos jornais não fornece o número máximo de alunos por curso, o que prejudica a informação correcta.)
Existe, por outro lado, um factor muito importante e que é geralmente ignorado: o do elenco das disciplinas de acesso, isto é, das disciplinas de exame que são incluídas na média de acesso. Relativamente a este caso, há numerosas escolas públicas que fazem aquilo que para alguns será batota e, para outros, um processo perfeitamente legal, uma vez que é autorizado pela autonomia de que as escolas superiores desfrutam: introduzem nas disciplinas de exame de acesso cadeiras que não serão, à vista desarmada, nem as mais difíceis, nem as mais indicadas. O exemplo mais notório é o dos cursos que contêm no seu elenco disciplinas com uma vasta componente numérica. Ora, em princípio a Matemática deveria ser disciplina obrigatória de acesso. Não o é sempre. Numerosos cursos públicos, não no sub-sector universitário mas sim no sub-sector politécnico, colocam a Matemática como disciplina opcional nos seus exames de acesso. O resultado é que esses cursos poderão depois apresentar notas mínimas de acesso relativamente elevadas, sendo no entanto verdade que pouco contêm da componente de Matemática que, a ser obrigatória, faria baixar drasticamente as notas mínimas ou, então, reduziria substancialmente o número de alunos com acesso. Neste sentido, estabelece-se em vários cursos do ensino superior uma clara distinção entre universidades e politécnicos.
O número de cursos superiores com designações diferentes é impressionante. Pelas minhas contas são 758 (!), regidos quantitativamente por esta ordem: universidades públicas, institutos politécnicos públicos, institutos politécnicos privados e universidades privadas. Dos cursos-base que eram comuns no passado, como os de Agronomia, Biologia, Direito, Engenharia, Farmácia, Física, Gestão de Empresas, Línguas, Matemática, Medicina, Psicologia, Química e Sociologia, evoluiu-se para uma imensa variedade que inclui licenciaturas em Aconselhamento Psicossocial, Administração e Gestão Desportiva, Animação Digital, Animação e Intervenção Sociocultural, Artes Performativas, Ciência dos Alimentos, Ciências da Ecologia e Desenvolvimento Sustentado, Ecologia e Paisagismo, Gerontologia Social, Línguas e Estudos Editoriais, etc. etc. Há conteúdos de cursos que têm necessariamente de ser muito idênticos mas que, pelas suas diferentes designações, pretendem dar uma ideia de inovação que possivelmente é mais aparente do que real. Em nome da verdade e defesa dos estudantes que serão futuros diplomados, deveria haver uma maior uniformização na nomenclatura.