9/20/2010

Férias



Para o citadino, as férias passadas na praia revestem-se sempre de um aspecto peculiar. Não se trata apenas de quebra da rotina de sair para o trabalho a horas regulares ou levar os filhos à escola à hora certa, no meio de um trânsito que pode ser infernal. As férias na praia trazem-nos necessariamente à mente a importância do tempo, a alternância das condições climatéricas e, duma maneira mais geral, o contacto com a natureza.
Por esta razão fundamental, o tempo atmosférico é possivelmente o tema mais comum de conversa. Falamos da temperatura que se vive na cidade – "um verdadeiro forno" – e da relativa frescura de que gozamos junto à costa, geralmente com uma brisa suave. Há dias de sol pleno e outros de nuvens algo carregadas. Há dias em que a praia não se torna muito convidativa.
Esta alternância e uma certa imprevisibilidade da natureza contrastam com o horário regular dos comboios, do metro ou dos autocarros na cidade. Esta semana a praia está larga, muito ampla durante a parte da manhã. Encolhe nitidamente durante a tarde. Na semana que vem será o contrário. Aliás, cada dia é diferente. O mar tem a sua agitação constante, mas tanto pode ser açoitado pelo vento e mostrar ondas relativamente fortes como estar calmíssimo, com uma ondinha final que desliza pela areia, deixando um leve rasto de espuma que depressa se esvanece.
Também a sombra acolhedora da grande rocha, quase isolada no meio do areal, só é válida até determinada hora. Desaparece totalmente a certa altura, para ir incidir na outra parte do rochedo. As marés vão e vêm, as sombras recuam ou alongam-se, a praia encolhe ou alarga-se. O interessante é que os benefícios são distribuídos a todos por igual: àqueles que preferem a maré vazia para passear e jogar, aos outros que adoram a maré cheia para darem bons mergulhos ou surfar nas ondas. Tal como sucede com a sombra, beneficia-se agora um, para amanhã se favorecer o outro. Quando o sol nos rouba a luz no local em que nos encontramos e deixa cair a noiite, é garantido que ele já está a iluminar outras pessoas noutras bandas. E, depois delas, seremos nós outra vez os contemplados.
Na vida não é exactamente assim. Há os que tudo têm, e ainda mais querem. Há os que labutam arduamente e assim continuarão até ao fim da vida recebendo uma paga ínfima pelo seu suor – no fundo, para que aqueles que já quase tudo têm ainda com mais fiquem.
É uma situação anti-natural. Talvez na cidade se aceite melhor esta condição da vida humana. Talvez nos revoltemos menos porque sabemos existir uma determinada ordem nos arruamentos, no estado das casas, nas marcas dos automóveis junto aos passeios, no uso de diferentes meios de transporte, na maneira de vestir e de falar das pessoas.
Quando temos o pleno contacto com a natureza de sempre, como este com o mar e as arribas, o sol e a sombra, podem ocorrer-nos ideias simples como esta da diferença entre a vida na cidade e as férias numa praia. Talvez por momentos pensemos que a sociedade está cada vez mais anti-natural e desumanizada. Ou talvez enxotemos estas ideias para o lado. O nosso cérebro é como o mar. Enche e esvazia-se depressa.

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