9/04/2010

Manipulação mediática

No meu regresso de umas férias em que deliberadamente coloquei a Net de fora das minhas actividades, encontrei as caixas dos meus dois endereços de e-mail razoavelmente fornecidas. Uma delas tinha mesmo esgotado a sua capacidade. Ambas tinham recebido cerca de 240MB! Admito que ainda não abri convenientemente toda a correspondência, mas houve um mail que despertou a minha atenção. Por esse motivo e porque é um assunto que considero de interesse – embora sem ser exactamente uma novidade -, pensei em transcrevê-lo a fim de partilhar o seu conteúdo com os eventuais leitores do blogue.
O autor é Avram Noam Chomsky, um conhecido linguista americano que foi durante muitos anos professor do M.I.T., em Harvard. Para além de linguista e pensador, Chomsky continua a ser, apesar de estar já na casa dos oitenta, um notório activista político. De esquerda. São da sua autoria, no resumo abaixo apresentado, dez grandes estratégias de manipulação mediática que podemos eventualmente confirmar pela nossa própria experiência.

As dez grandes estratégias de manipulação através dos media são, segundo Noam Chomsky, as seguintes:

1- A ESTRATÉGIA DA DISTRACÇÃO.
É o elemento primordial do controle da sociedade. Consiste em desviar a atenção do público dos problemas importantes e das mudanças decididas pelas elites políticas e económicas, mediante a técnica do influxo de contínuas distracções e de informações irrelevantes. A estratégia da distracção é igualmente indispensável para impedir que o público se interesse por conhecimentos essenciais na área da ciência, da economia, da psicologia, da neurobiologia e da cibernética. Interessa manter o público ocupado, ocupado, ocupado, sem tempo para pensar.

2- CRIAR PROBLEMAS PARA POSTERIORMENTE OFERECER SOLUÇÕES
Este é o método "problema-reacção-solução". Cria-se um problema, uma "situação" que se prevê venha a causar uma determinada reacção por parte do público, a fim de que este acredite ser posteriormente o mandante das medidas que se deseja fazer aceitar. Por exemplo: deixa-se desenvolver ou intensificar a violência urbana, ou organizam-se atentados mais ou menos sangrentos, a fim de que seja o próprio público a desejar leis de segurança e políticas em prejuízo da liberdade. Alternativamente, pode criar-se uma crise económica para fazer aceitar como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos.

3- A ESTRATÉGIA DA GRADAÇÃO.
Para fazer com que seja bem aceite uma medida em princípio inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, a conta-gotas, durante anos sucessivos. Foi desta maneira que condições socioeconómicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram impostas durante as décadas de 1980, 1990 e 2000: Estado mínimo, privatizações, precariedade de emprego, flexibilidade, desemprego em massa, salários que já não são decentes para a entrada num emprego. Se tivessem sido aplicadas de uma só vez, estas leis teriam provocado uma verdadeira revolução.

4- A ESTRATÉGIA DO DIFERIDO.
Outra maneira de se fazer aceitar uma decisão impopular consiste em apresentá-la como sendo "dolorosa mas necessária", obtendo a aceitação pública no momento, mas ficando a medida relegada para uma aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro do que um sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é despendido de pronto. Segundo, porque as massas têm sempre a tendência a esperar, algo ingenuamente, que "tudo irá melhorar amanhã" e que o sacrifício exigido poderá afinal vir a ser evitado. Isto dá mais tempo à população para se habituar à ideia de mudança e a aceitá-la com resignação quando a hora chegar.

5 - DIRIGIR-SE AO PÚBLICO EM LINGUAGEM SIMPLES
A maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza um discurso, argumentos e uma entoação particularmente infantis, muitas vezes próximos da debilidade mental, como se o espectador fosse um menino de tenra idade. Quanto mais se intente enganar o espectador, mais se tende a adoptar um tom infantilizante. Por quê? "Se nos dirigimos a uma pessoa como se ela tivesse 12 anos ou menos, então, por admissão da sugestão, ela tenderá a fornecer uma resposta ou ter uma reacção também desprovida de sentido crítico, como sucede com crianças de 12 anos ou menos."

6 - FALAR MAIS À EMOÇÃO DO QUE À RAZÂO.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para causar um curto-circuito na análise racional e no sentido critico das pessoas. Além do mais, a utilização do registo emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente para implantar ou enxertar ideias, desejos, medos e temores, induzindo comportamentos.

7- MANTER O PÚBLICO NA IGNORÂNCIA E NA MEDIOCRIDADE.
Fazer com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e os métodos utilizados para o seu controle e submissão. "A qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser a mais pobre e medíocre possível, de forma a que a distância entre a ignorância das classes inferiores e os conhecimentos das classes sociais superiores seja impossível de eliminar.

8- FOMENTAR NO PÚBLICO A COMPLACÊNCIA COM A MEDIOCRIDADE.
Fomentar no público a ideia de que é natural o facto de se ser estúpido, vulgar e inculto.

9- REFORÇAR O SENTIMENTO DE NÃO-REVOLTA ATRAVÉS DA AUTO-CULPABILIZAÇÃO
Fazer o indivíduo acreditar que ele é o único culpado da sua desgraça, devido à sua falta de inteligência, de capacidades, ou da qualidade dos seus esforços. Assim, em vez de se revoltar contra o sistema económico, o individuo auto-desvaloriza-se e culpa-se a si mesmo, o que gera um estado depressivo, um dos efeitos do qual é a inibição da acção. E, sem acção, não há revolução!

10- CONHECER OS INDIVÍDUOS MELHOR DO QUE ELES SE CONHECEM A SI PRÓPRIOS.
Durante os últimos 50 anos, os enormes avanços registados pela ciência têm causado um fosso crescente entre os conhecimentos do público e aqueles que as elites dominantes possuem e utilizam. Graças à biologia, à neurobiologia e à psicologia aplicada, o "sistema" tem desfrutado de um conhecimento avançado do ser humano, tanto física como psicologicamente. O sistema tem conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele se conhece a si próprio. Daqui se infere que, na maioria dos casos, o sistema exerce não só um controle maior como um maior poder sobre os indivíduos do que eles sobre si mesmos.

Para mencionar alguns exemplos do que atrás fica resumidamente apontado, note-se que o político Passos Coelho cometeu, há pouco mais de um mês, relativamente às propostas que apresentou sobre a revisão da Constituição, o erro de não respeitar o item 3. das Estratégias acima. O resultado não foi famoso nem para ele, nem para o seu partido.
No jornal Público de ontem podia ler-se o seguinte título: "Faltam alimentos para não passarmos fome em 2050". Típico. O que é que se pretende? Criar o medo e o pavor da fome (item 6). Para quê? Para ir gradualmente preparando a população mundial para a procura de novas variedades de milho e de outros cereais. Aqui temos a história dos organismos geneticamente modificados que, a médio prazo, se pretende que representem uma enorme oportunidade de negócio, com a aceitação das populações, através de produtos que são transformados, alegadamente para que se tornem mais resistentes (leia-se: "resilientes").
Quanto ao item 1. (Estratégia da distracção), recordo-me de o meu pai já me dizer quando eu tinha uns dezasseis ou dezassete anos: "Quando vires um Ministro a fazer um discurso, nunca olhes para o braço com que ele faz gestos, mas sim para o outro com que ele se abotoa."
Sobre o item 9. ocorre-me o que o grande defensor dos direitos dos negros, Malcom X, costumava dizer: "O pior crime que os brancos cometeram foi o de fazer com que os negros se odeiem a si próprios." Ele, também negro, sabia o que dizia. Daqui nasceu o contra-slogan: "Say it loud, I'm black, I'm proud!"
Sobre o item 7., pensemos no facilitismo que impera na esmagadora maioria das escolas portuguesas, mas não nas instituições de ponta a nível superior.
E, quanto à Estratégia do Diferido (item 4.), ela é extremamente comum. Todos os primeiros-ministros do mundo com dificuldade em fazer aprovar uma determinada medida lançam-na para entrar em vigor daí a dois ou três anos e, pronto, a medida é aprovada. Pelas razões aduzidas por Chomsky. A mesma táctica é, aliás, seguida em inúmeros negócios de vulto, como compra de casa para particulares, compra de automóvel para pessoas de menos posses, ou largos investimentos de infra-estruturas a fazer pelo Estado. Colocando a fatia do início do pagamento seis meses, um ano, dois anos ou três depois, o negócio faz-se com muito maior facilidade. No preço a pagar está incluída esta "facilidade", como é evidente.
Admito que não entendo bem o item 8. Preciso de ler o livro de Chomsky, editado em Portugal pela Inquérito e que não consegui arranjar numa primeira busca.
Devo dizer, a terminar, que este é um assunto que frequentemente aflorei nas minhas aulas quando se me deparava uma oportunidade. Todos os meus alunos tinham 18 anos ou mais. É minha convicção que os estudantes devem ser preparados para a realidade e não para se manterem eternamente crianças ou adolescentes. A preparação para a vida, em várias vertentes, é uma das missões primordiais da escola.

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