9/10/2010

Reacções excessivas


Corria o ano de 1962 quando, em plena guerra colonial, fiz com o meu grupo uma patrulha de exploração numa zona de Angola em princípio perigosa. Todos os habitantes das sanzalas dessa área as tinham abandonado e estavam naquela altura a viver algures nas matas circunvizinhas. Avançámos pela calada da noite, conscientes de que um pelotão como o nosso teria os seus movimentos vigiados. Enquanto os nativos conheciam o seu território desde sempre, nós limitávamo-nos a procurar conhecer melhor esse mesmo terreno.
Tudo correu sem percalços até chegarmos ao local de uma antiga sanzala. Ai, ouviu-se uma detonação. Uma só. Como se fora de um revólver. Sob a pressão do momento, condicionados pela ansiedade e pelo receio que sentiam naquela atmosfera de silêncio total, vários elementos das nossas tropas dispararam freneticamente contra um alvo não detectado. À voz imediata de "Alto ao fogo!", todos os soldados pararam. Mas o mal estava feito. O nosso objectivo número um era o de capturar pessoas para obtenção de informações. Agora todos os nativos que se refugiavam nas matas estavam mais do que alertados. Não foi o tiro seco que primeiro ecoou que os colocou de sobreaviso, mas sim a fuzilaria das nossas tropas. Reacção despropositada e excessiva, comentei eu mais tarde aos membros do pelotão quando voltámos ao nosso aquartelamento. Nós, as "legiões romanas", tínhamos inadvertidamente acabado por desempenhar o papel de sentinelas dos rebeldes.
Overreraction, diriam os americanos. Agora que estamos a passar mais um aniversário do acontecimento relevante e bárbaro que foi a destruição das torres do World Trade Center de Nova Iorque no ano de 2001, não terá havido posteriormente uma reacção também claramente excessiva? Não me refiro à invasão do Iraque, que essa estava há muito planeada. Refiro-me ao que sucedeu na América, aliás com reflexos noutras partes do mundo.
O 11 de Setembro foi um enorme choque para os Estados Unidos. Justificadamente. Tem-se hoje uma ideia concreta do que ele representou em termos de mudança. Se nos lembrarmos que os Estados Unidos são em vários aspectos históricos comparáveis ao Império Romano, não nos admiraremos ao constatar que também a grande Roma não foi originalmente construída dentro de muralhas. Quem ousaria atacar cidade tão poderosa? A muralha romana que acabou por ser construída e de que hoje se podem ainda ver vestígios data de um período de declínio do Império. E quanto a Nova Iorque? Quem ousaria em pleno século XXI atacar a cidade, ainda por cima alvejando exactamente um dos seus ícones mais simbólicos? Mas a verdade é que ousaram.
Outra verdade é que, desde 2001 até ao presente, o governo dos Estados Unidos criou ou reconfigurou 263 (duzentas e sessenta e três) organizações com o objectivo primordial de pôr cobro ao terrorismo. O montante de dinheiro que foi despendido em serviços secretos de informação aumentou 250 por cento, atingindo 75 biliões de dólares, quantia superior àquela que todos os restantes países do mundo gastam para fins idênticos. Destinados a gabinetes de serviços secretos foram edificados trinta e três novos complexos de edifícios, que ocupam uma superfície equivalente a 22 Capitólios ou a três Pentágonos. A cerca de oito quilómetros da Casa Branca, em Washington, está presentemente a ser erguido aquele que virá a ser o maior complexo da Administração americana dos últimos cinquenta anos. Custará 3,4 biliões de dólares.
Toda esta parafernália de serviços produz cerca de 50 mil relatórios por ano, isto é, uma média de 136 por dia. Há serviços, localizados em quinze Estados diferentes, que controlam os trajectos de dinheiro de e para organizações terroristas. Neste momento, há nos EUA 30 mil pessoas empregadas exclusivamente para escutarem telefonemas e vigiarem outros tipos de comunicação.
Mesmo assim, sabemos que têm existido casos de terrorismo não previamente detectados pelos serviços, tais como o do Major Nidal Hasan, que resultou em vários mortos das forças armadas, e do rapaz nigeriano que a bordo de um avião se mostrou felizmente mal preparado para fazer detonar a bomba que possuía (o pai do rapaz tinha informado a embaixada dos EUA do radicalismo do seu filho, mas a mensagem não terá chegado a quem devia).
A questão principal, além da despesa financeira, é que os EUA continuam hoje em dia a viver sob a paranóia da guerra. E isso cria um estado de emergência que leva à supressão de numerosas liberdades e a um muito maior controlo exercido por parte do Estado. Quando é que a Administração americana voltará a ser o que era? Madison, um dos obreiros da Constituição dos EUA, dizia: "Não há nação que consiga preservar a sua liberdade num estado de guerra contínua."
Recentemente, numa visita à interessante exposição O Povo, patente no Museu da Electricidade, li, não sobre os Estados Unidos mas sim sobre o poder de uma maneira geral: "O poder controla, vigia, pune, prende, regista, arquiva, conta, numera, seria, categoriza, agrupa, igualiza, discrimina, nomeia, identifica." Impressiona. Tanto quanto me impressionou o artigo de Fareed Zakaria no último número da Newsweek, de onde respiguei os dados acima indicados. Reacção excessiva? Quer-me parecer que sim.

Sem comentários:

Enviar um comentário