10/10/2010

A Clínica Optimista

Quando o telefone fixo tocou em minha casa, olhei para o relógio. Onze da noite. Não é costume fazerem-me chamadas a esta hora, mas pode ser alguma urgência. Ou uma má notícia.
Era uma má notícia. O Adriano Mesquita, velho colega da instrução primária, comunicava-me que o Antunes tinha morrido. Antunes, que Antunes? Ah, aquele que andou connosco na D. Maria das Dores da 1ª à 4ª classe e que tem um irmão gémeo? Esse mesmo. Espera lá, mas qual foi o Antunes que morreu? O António José ou o José António? Foi o António José. Estava com um problema no estômago já há algum tempo e tinha sido internado na Clínica Optimista, na Covilhã. Clínica Optimista? Nunca ouvi falar de uma clínica com esse nome. Olha que não é exactamente nova. Já existe há vários anos. Se não me engano, abriu em 2005. Por acaso até fui à inauguração. Gostava de saber se pensas ir ao funeral. Tenho o carro na oficina e precisava de uma boleia, caso tu vás. Não sei ainda se posso. Isto assim de chofre, sabes tão bem como eu que a gente não pode faltar ao trabalho quando quer. Pois é, mas era um tipo do nosso grupo. Temos que mostrar solidariedade. Sabes que sou tão beirão como tu e nisso de solidariedade ninguém me pede meças. O que não sei é se tenho possibilidade de faltar ao serviço. A que horas é o funeral? Amanhã às 4 da tarde. Vá lá que não é má hora. Vou tentar. Mas diz-me lá mais uma coisa para eu não ir totalmente em branco: há quanto tempo estava ele na clínica? Há uns seis meses pelo menos. E dizes tu que a clínica é optimista! E é! As cores das paredes, tanto no exterior como no interior, são alegres, os quartos têm bonecos sorridentes nas paredes, o pessoal de enfermagem é muito simpático e as notícias que te dão são sempre animadoras. Mesmo quando de facto não são? Suponho que sim. Sabes que o António José era casado com uma irmã da minha mulher, de modo que eu acabava por ter muito mais contacto com ele do que tu. E perguntávamos de vez em quando como é que ele ia. Que estava melhor. Noutra vez que liguei, disseram-me que ele estava mais gordinho (porque o Tó Zé tinha perdido muito peso), e que tinha melhorado bastante. O que eu esperava é que ele saísse da clínica todo refeito. E, de repente, o director mandou anunciar à família que ele tinha morrido. Parece que, afinal, está pele e osso. Era um cancro o que ele tinha no estômago. Então, e ninguém tinha informado que o Tó Zé tinha um cancro? Bem, de certeza que eles sabiam, mas as notícias que davam à minha mulher falavam sempre em melhoras. Foi uma surpresa para todos. Ouve lá: e a família não faz queixa do director da clínica?! Sabes como é, esta é uma teoria relativamente nova de que notícias boas, positivas, deixam a família mais sossegada. Escusam de se apoquentar. Quando o doente morrer, morreu. Têm é agora uma bela conta para pagar que vai deixar a viúva ainda mais de rastos. Linda história essa, ó Adriano. Então a coisa é assim. Especialidade da Covilhã, certamente. E eu a julgar que eles só tinham bons queijos. Com que então Optimista?! Se eu fosse à família do Tó Zé fazia uma espera ao director e dava-lhe um enxurro de porrada! A ver se ele não mudava imediatamente o nome da clínica! O certo é que amanhã lá tenho que ir! Não me calha nada a despesa extra de gasolina neste momento, mas o que tem de ser tem muita força. Vou-te buscar por volta do meio-dia.

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