Quem viveu nos longos tempos de Salazar, período durante o qual havia uma enorme desconfiança em praticamente todo e qualquer interlocutor e em que, portanto, as pessoas se coibiam de expressar a sua opinião a não ser que estivessem no meio de amigos seguramente leais e capazes de guardar segredos, não pode deixar de estranhar hoje em dia o que para aí vai de informação, nem sempre fidedigna é certo, mas sempre abundante sobre governantes, deputados, gestores, juízes, etc. Os e-mails têm, na generalidade, um enorme efeito multiplicador. Enviam-se para dezenas de amigos, parentes e conhecidos, e espera-se que esses destinatários os re-enviem para outras tantas dezenas de pessoas. Este facto tanto pode ter consequências positivas – tudo depende do conteúdo e fidedignidade da informação contida – como negativas. Não raramente, tem ambas.
Neste momento em que se fala de crise e de medidas de austeridade a cada virar de esquina, surgem por todo o lado os juízes do povo. Estes são pessoas opiniosas, que se vêem bem no seu papel de denunciantes de injustiças. Por seu turno, estas são geralmente de ordem salarial. Como o e-mail, apesar de não ser anónimo, está apenas a passar informação colhida de fonte não assinada, quem passa a informação sente-se à vontade uma vez que não é o autor daquilo que a mensagem contém. Este aspecto é importante num país geralmente medroso e avesso ao risco, em que as pessoas por norma não gostam da polícia mas adoram ser, elas próprias, polícias. Por outro lado, desencadeia sentimentos de inveja que são inerentes à natureza humana. A menção de um salário muito elevado ou de pensões de reforma/aposentação de montantes igualmente elevados tem necessariamente de provocar a inveja de quem, em comparação, possui ou salários baixos ou pensões de aposentação mínimas. O injusto da questão, poder-se-á dizer, é que quem recebe ou recebeu salários mais baixos não pode aspirar a pensões muito elevadas. Aspirações reduzidas levam a remunerações igualmente reduzidas. Small pains, small gains. Lugares de grande responsabilidade ocupados por pessoas de reconhecida competência não causariam, em princípio, problemas de maior. O grande busílis reside no facto de muitos daqueles que auferem salários elevados não parecerem merecê-los, seja pelos erros gravosos que cometem e pelos quais não respondem, seja pela incompetência que muitas vezes demonstram e que os torna bons elementos do seu partido em termos de fidelidade e elementos fracos a nível de nação.
Num país como Portugal, que, não obstante os 36 anos da Revolução de Abril, mantém gritantes desigualdades em termos salariais e sociais, a revelação das remunerações auferidas por gestores públicos, assessores e políticos de vários quadrantes colhe muito mais do que noutros países de maior equilíbrio social. Por outro lado, acicata a demagogia e envieza juízos de apreciação, os quais tendem depois a nivelar todos os "privilegiados" pela mesma bitola. Nem sempre com justiça, diga-se.
Esta história de intercâmbio de mails é uma realidade com a qual qualquer governo democrático tem que se haver. Mesmo quando tenta esconder algo, há sempre um rabo de fora que, mais tarde ou mais cedo, aparece. Ora, a verdade é que este facto deveria levar os "privilegiados" a auto-corrigirem-se, mas quem é que gosta de hara-kiri? E quem começa? Porque hei-de de ser eu a começar e não ele ou ela? Neste jogo, que se desenrola numa altura em que as janelas estão escancaradas, quem duvida que os condomínios de segurança redobrada tendem a aumentar no nosso país? Será este o caminho certo?
Seja como for, é toda uma situação complexa que, em Portugal e certamente noutros lugares, transforma a Internet numa explosiva mistura de muro de lamentações e de livro de reclamações.
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