11/24/2010

Breves considerandos sobre a greve

Como alguém que considera o regime democrático o mais aceitável de todos para governar uma nação, não condeno a existência de greves, as quais me parecem uma forma legítima de protesto e pressão sobre as autoridades para que promovam mudanças necessárias.
Pessoalmente, defendo dois conceitos básicos: a liberdade e a responsabilidade individuais. Que não existe responsabilidade sem liberdade parece-me evidente: a alguém que é coagido a praticar determinado acto sob pena de tortura ou mesmo de morte não pode ser assacada a mesma responsabilidade que a outrem que pratique esse mesmo acto de livre vontade.
Os sindicatos são organizações de defesa dos interesses dos trabalhadores e justificam-se amplamente pela força que representam. A união faz a força, como todos sabemos, enquanto que a falta de união implica fraqueza a todos os níveis. Por esta razão, dividir para reinar é uma clássica estratégia da classe com poder, que assim melhor domina as massas em núcleos de importância muito mais reduzida do que em grandes grupos.
Os sindicatos vivem da livre associação dos seus membros, que pagarão as devidas cotas. Os fundos dos sindicatos deverão cobrir as eventuais despesas incorridas pelos seus associados. Assim, se um trabalhador sindicalizado perde o salário correspondente a um dia de trabalho, esse dinheiro deverá naturalmente ser coberto pelo sindicato. Isto é verdade tanto para o sector público como para o sector privado. Quando a greve é organizada pelos sindicatos, deverá ser este o modus operandi. Quando a greve é selvagem, a responsabilidade é totalmente dos grevistas.
Os sindicatos estão frequentemente contra as entidades patronais, sejam elas o Estado ou as administrações de empresas privadas, pela anotação dos nomes dos grevistas. Os restantes, se os houver, são depreciativamente apodados de fura-greves. Ora, são exactamente os grevistas que organizam piquetes à entrada de determinados edifícios de trabalhadores. Com que finalidade? É evidente que o seu objectivo é o de dissuadir os eventuais funcionários ou empregados de irem ocupar o seu local de trabalho. Se alguém resistir e forçar a entrada, entrará no núcleo desprezível dos fura-greves. Ora, estará correcto que quem critica o Estado por anotar o nome dos grevistas – ou, o que vem a dar no mesmo, o nome dos que compareceram no seu local de trabalho – impeça colegas de irem trabalhar? Em que medida é que os piquetes respeitam a liberdade de cada um? Em que medida pode o seu comportamento ser visto como democrático?
Muitos trabalhadores preferem ficar em casa para não terem futuros problemas com os seus colegas, embora a greve os prejudique materialmente. E por que razão pode a greve prejudicá-los materialmente? Porque o salário de um dia num dinheiro para sustento da família que já é escasso representa uma diferença considerável. E será que o sindicato não cobre esse prejuízo? Não, esse é o grande problema. Se o cobrisse, a questão não se levantaria da mesma forma. Mas por que motivo não pagam os sindicatos o dinheiro que os grevistas perdem? Pela simples razão de que há muitos mais grevistas do que pessoas sindicalizadas. É este, entre outros, o motivo por que os piquetes de greve existem.
O argumento de que o Estado ou as entidades patronais não deveriam deduzir o dinheiro dos grevistas não tem qualquer base de sustentação. Se os salários são baseados na produção dos funcionários ou dos empregados, salvo os casos de doença, parto, etc. devidamente previstos na legislação em vigor, nada pode forçar as entidades públicas ou privadas a não descontarem o não-trabalho num dia útil. Afinal, os protestos e as marchas de reivindicações podem ser igualmente organizados a um domingo, dia em que a percentagem de pessoas a trabalhar é muitíssimo menor.
Na greve geral de hoje, é natural que haja muitas vozes a protestar contra a situação. Quem é que gosta de não ter emprego? Quem é que gosta de ver o seu salário ou a sua pensão diminuídos? Quem é que aprecia os cortes nos serviços da Segurança Social? Só os masoquistas, decerto. Mais: haverá muita gente que não participa nas manifestações a concordar com os slogans que lá são repetidos. Pois. Mas para que serve a presente greve? Para um desabafo geral de descontentamento. Que efeitos terá? O efeito das palavras. E para o Governo? Sentirá o descontentamento, como é natural, mas já teve o Orçamento para o ano que vem aprovado pelo Parlamento… No fundo, financeiramente acabará por ficar parcialmente contente com a poupança de um dia de trabalho que os grevistas da Função Pública e das empresas públicas lhe oferecem. Para um Estado que está com problemas de liquidez, todo o dinheiro é pouco. Contudo, é óbvio que esta parcela de poupança é pequeníssima face à enorme perda de produção nacional que uma paralisação causada por greve ou por outra qualquer circunstância sempre acarreta. É mais uma machadada no PIB.
Para não divagar mais, concluo, frisando basicamente três pontos:
1. Os piquetes de greve ensombram, e muito, a acção dos grevistas. Deveriam, por uma questão de credibilidade das organizações, ser banidos pelas direcções sindicais.
2. Os sindicatos deveriam cobrir as despesas em que os seus associados incorrem, nomeadamente as indemnizações correspondentes à perda de um ou mais dias de trabalho.
3. Num regime democrático, as eleições são possivelmente o local mais apropriado para manifestações de descontentamento deste tipo. O voto em branco é uma das soluções, desde que ele conte efectivamente para a distribuição dos lugares no Parlamento. Este é um assunto que abordarei em ocasião mais oportuna.
Agradeço comentários, porque admito perfeitamente que não esteja a ver correctamente esta questão.

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