10/13/2012
9/27/2012
8/24/2012
7/24/2012
Educadores natos
7/23/2012
6/17/2012
Poesia de A a Z
6/11/2012
Como tem sido amplamente noticiado, a Espanha acaba de pedir auxílio financeiro à União Europeia para acudir ao seu sistema bancário, do qual sobressai uma unidade: o Bankia. A ajuda financeira não é de pequena monta. Embora se tenha de considerar que a população espanhola é cerca de quatro vezes mais numerosa do que a portuguesa, os 100 biliões de euros de que a Espanha diz necessitar para recompor o seu sistema bancário representam mais de oito vezes aquilo que a troika considerou ser necessário para “endireitar” a banca portuguesa. Em princípio, isto significa que a banca espanhola está ainda mais torta do que a nossa.
6/03/2012
5/28/2012
3/19/2012
errata
Mas mais dois dias, menos dois dias, o que é mesmo importante é a Poesia. E essa já cá ficou, para deleite de quem gosta.
Poesia de A a Z
Hoje, para a letra S, um poema de José Carlos Ary dos Santos que, de certa forma, é também um tributo à Primavera que começa:
Conquista
Dispo a tristeza inútil que me invade.
Resumo a minha vida num só beijo.
E, em frémitos de sangue e mocidade,
Ascendo para além de quanto vejo.
Ateia-se a vertigem da ansiedade
E perco-me nas brumas do desejo.
Mais para além da vida e da saudade,
- Fulgor de estrela em fúlgido lampejo.
Ergo nas mãos a lança da vitória
E corro pelos céus, ébrio de glória,
Abrindo ao Sol as asas da alegria.
E canto na certeza do porvir,
Que todo o mundo é meu e eu vou partir
À conquista dos reinos da poesia!
José Carlos Ary dos Santos, "Obra Poética", Edições Avante
3/05/2012
Negociatas megalómanas
2/27/2012
Uma explicação
Vários amigos que se habituaram a visitar este blog têm-me perguntado qual é o motivo por que, sendo eu geralmente tão assíduo na minha escrita, pareço ter subitamente deixado de escrever.
Ora, como é do conhecimento de qualquer pessoa que, por pressão interior, gosta de fazer uma determinada coisa, essa pressão não desaparece a não ser por razões de saúde. Não sendo este felizmente o caso, a minha pressão da escrita pode é ser encaminhada para outras vias. Tem de facto sido.
Aqui pode porém colocar-se uma segunda questão: por que razão foram escolhidas outras vias e deixada esta, que se mantém quase há nove anos? Será que a temática se esgotou? Ainda por cima num blog que se diz de A a Z?
De facto é impossível que a temática se esgote, tantos e tão vastos são os temas; porém, existe um factor que vem funcionando quase como um travão que me tem impedido de voltar aos meus temas favoritos, que são sem dúvida os de ordem social. Esse factor tem que ver com a situação portuguesa, que considero verdadeiramente lastimável e, afirmo-o sem pessimismos lamurientos, tem uma forte tendência para se agravar.
Vou tomar como exemplo uns tantos factos que um exemplar do jornal que diariamente compro – o Público – nos traz a todos.
Começa por nos informar que o governo avaliza novo empréstimo de 300 milhões de euros ao BPN. Ora, esta história não é só agora que começa a cheirar mal; há muito que tresanda. A maioria das pessoas concorda que há muita coisa mal contada relativamente a este banco. Conhecemos os nomes de algumas das figuras mais gradas da política portuguesa que entram neste imbróglio. Essas figuras são predominantemente ligadas ao partido mais votado do presente governo. Sabemos também que houve um número considerável de pessoas que procuraram o banco para auferir rendimentos maiores do depósito do seu capital. O banco estoirou, e apresentou um défice nunca verdadeiramente esclarecido perante a opinião pública. Trata-se de um défice que em muito ultrapassou o já de si inaceitável saldo contabilístico negativo incorrido pela governação da ilha da Madeira. O BPN causou um prejuízo assumido de 2,4 mil milhões de euros para o Estado e avales da ordem dos 5,5 mil milhões através da Caixa Geral de Depósitos, um banco estatal. Pois agora aí vem um novo crédito de 300 milhões, decerto concedido em condições de juros que pouco terão a ver com a “generosidade” com que os mercados emprestaram dinheiro ao Estado português.
Como é que se pode consentir que isto suceda? Vemos a classe média a empobrecer a olhos vistos; a consequente retracção da economia não se fez esperar; mas, por seu lado, o recebedor dos nossos impostos que é o Estado abre os bolsos para salvar os mais ricos! Como é isto possível num governo que foi eleito pelo povo, mas que está a muitas milhas de cumprir o seu programa eleitoral, programa esse que foi apresentado ao povo português já depois de ter sido firmado pelo anterior governo um acordo com a famigerada troika-katastroika? Então os bancos não são os responsáveis principais pelos riscos que assumem? Sejam os bancos, sejam empresas agrícolas ou industriais, todos devem assumir a sua responsabilidade. Se colhem os lucros quando os resultados lhes são favoráveis, não existe qualquer razão para alijar essa responsabilidade quando esses resultados são negativos.
Mas se calhar existe mesmo. De facto, uma outra notícia informa-nos, já sem surpresa para o contribuinte mas compreensivelmente geradora de um forte sentimento de revolta, que o parceiro privado do município que gere a água da cidade de Faro tem uma taxa de rendibilidade garantida de 8,41 por cento, independentemente do resultado de exploração da empresa de ambos. Que maravilha! Tal como parece ser o que continua a suceder no BPN, se há lucros privados, embolsam-se; se há prejuízos, o tio Estado que pague. Uma mina!
Mas não é isso também que sucede com as vias “sem custos para os utentes”, vulgo SCUTs? Outra mina! Afinal não era só no passado que tínhamos ouro no rio que dele ganhou o nome! E, tal como o rio corre para o mar, também os proventos correm para quem já não é parco deles.
Como já vem sendo hábito, andam uns tantos portugueses a explorar todos os restantes, com o apoio de testas-de-ferro governamentais que zelam mais pelos interesses privados – dos quais não raramente vêm a beneficiar após a cessação das suas funções mais directamente políticas – do que pelos interesses que juraram defender.
Na Alemanha, nos últimos três anos já são dois os presidentes da república que se viram obrigados a abandonar os seus cargos por motivos distintos. No nosso país tenderiam a ficar impunes e a permanecer nos seus postos.
Leio entretanto com gosto uma notícia. No entanto, ela mostra-me claramente a existência de dois países em Portugal, com um a colonizar o outro. A boa notícia é que durante a semana que passou foi finalmente inaugurada luz eléctrica em cerca de 60 montes e explorações agrícolas isoladas na serra de Serpa. Imagine o leitor citadino os anos que aquelas populações que, entre outras coisas, produzem o belo queijo de Serpa, tiveram que esperar para usufruir desse extraordinário sinal de progresso! As populações tinham luz graças a geradores que adquiriam, assim como compravam o gasóleo para os alimentar. E, naturalmente, usavam os velhos candeeiros a petróleo e o Petromax nas suas casas…
A resposta à pergunta por que motivo deixei de escrever tão assiduamente é só uma: custa-me viver num país tão injusto e, infelizmente, cada vez mais desequilibrado. Não admira que a criminalidade se avolume. É extremamente penoso ver pessoas com poder a negligenciar o cuidado devido ao ser humano que passa por dificuldades. Entretanto, não quero ser eu próprio injusto e omitir a menção de instituições que possuem um carácter fortemente positivo. Refiro-me àquelas organizações que fornecem, a preços baixos ou mesmo de forma gratuita, cuidados de saúde aos idosos e apoiam os muitos que passam fome num país com recordes de desemprego.
Mas pensar que estas instituições são tanto mais precisas quanto mais desequilibrada a nossa sociedade está, é algo que vejo como tremendamente revoltante.2/13/2012
Poesia de A a Z
Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
((Ricardo Reis, in «Odes e Outros Poemas»)
1/24/2012
Poesia de A a Z
Canção Grata
Por tudo o que me deste:
– Inquietação, cuidado,
(Um pouco de ternura? É certo, mas tão pouco!)
Noites de insónia, pelas ruas, como um louco...
– Obrigado! Obrigado!
Por aquela tão doce e tão breve ilusão.
(Embora nunca mais, depois que a vi desfeita,
Eu volte a ser quem fui), sem ironia: aceita
A minha gratidão!
Que bem me faz, agora, o mal que me fizeste!
– Mais forte, mais sereno, e livre, e descuidado...
Sem ironia, amor: – Obrigado, obrigado
Por tudo o que me deste!
Carlos Queiroz, in Poemas de Amor
1/20/2012
AS SUGESTÕES DO JOÃO MIGUEL
- O Institut français du Portugal recruta um(a) adido(a) audiovisual, responsável pela coordenação da Festa do Cinema francês, pela organização de ciclos de cinema ao longo do ano e pelo apoio às indústrias musicais e audiovisuais francesas.
- De 20 a 22, às 21h30 (dia 22 às 16h00), no Centro Cultural de Carnide, Dizendo e Cantando Ary dos Santos, pela Companhia de Teatro Umbigo (7€)
- Dias 20 (às 18h00) e 21 (a partir das 10h00), no Teatro Maria Matos, seminário internacional: Manifestos & Manifestações - Política, Linguagem e Revolta (0€)
- Dia 21 arranque da programação oficial (a de Janeiro é de perder o fôlego) de Guimarães 2012 - Capital Europeia da Cultura
Segunda-feira, dia 23
- às 8h30, na Mezzo, Fiction: Quatuor Ebène aux Folies Bergères (o Quatuor Ebène esteve na Gulbenkian, em Dezembro pp, com um repertório que não se adapta muito às Folies Bergères …; 88’)
- às 19h00, no Institut Français du Portugal, Ciclo Cinemas do Mundo: Bye Bye, de Karim Dridi (0€)
- às 19h00, no Grande Auditório da Gulbenkian, The Tempest (versão filmada da ópera de Thomas Adès; 0€)
- às 21h30, na Barraca (Largo de Santos, 2), Encontros Imaginários: António Aleixo, Cândido de Oliveira e Juiz Veiga (5€)
- às 21h30, na Cinemateca, Carl Th. Dreyer, de E. Rohmer
- às 21h30, na Casa da Achada, O Meu Tio, de J. Tati, apresentado por João Rodrigues
Terça-feira, dia 24
- às 12h30, na Mezzo, O Ouro do Reno (2003; Staatsoper de Stuttgart; 153’)
- às 21h30, no Salão Nobre do Ateneu Comercial do Porto (Rua Passos Manuel, 44), Sulle ali del belcanto italiano, por Gabriella Morigi (soprano) e Sérgio Garcia (piano)
- às 18h30, no Pequeno Auditório da Culturgest, conferência do ciclo Mudando de Mundo Globalização e Conflitos no Novo Século: A emergência das Ásias e os violentos conflitos que podemos esperar, por J.M. Félix Ribeiro (senhas a partir das 18h00)
Quarta-feira, dia 25
- às 11h45, na Mezzo, A Valquíria (2003; Staatsoper de Stuttgart; 230’)
- às 15h30, na Cinemateca, O Último Adeus (I Girasoli), de V. De Sica
- às 18h00, no Museu Nacional de Arte Antiga, visita guiada, a uma das obras de referência do MNA: Cortesã (J. A. Backer; 1630-1650)
- às 19h00, na Cinemateca, Casque d’Or, de J. Becker
- às 19h00, no ISEG, Concerto Antena 2, com Filipa Lopes (soprano), Ana Serôdio (meio-soprano) e Paulo Oliveira (piano)
- às 21h30, na Cinemateca, Jacques Becker, de C. Givray
- às 21h30, na Biblioteca Municipal de Oeiras, Café com Letras (conversa entre) Carlos Vaz Marques e João Tordo
Quinta-feira, dia 26
- às 11h50, na Mezzo, Siegfried (2003; Staatsoper de Stuttgart; 251’)
- às 15h30, na Cinemateca, Finalmente Domingo, de F. Truffaut
- às 19h00, na Cinemateca, Robert Bresson ni Vu ni Connu, de F. Weyergans
- às 21h30, na Cinemateca, We Can’t Go Home Again, de N. Ray
- às 22h00, na Cinemateca, Os Anjos do Pecado, de R. Bresson
A seguir:
- De 26 Janeiro a 3 de Fevereiro, no São Jorge, KINO 2012, 9ª Mostra de Cinema de Expressão Alemã
- Dia 27, às 11h15, na Mezzo, O Crepúsculo dos Deuses (2003; Staatsoper de Stuttgart; 266’)
- Dia 28, às 17h00, no Palácio Fronteira, Café Filosófico, moderado por Roberto Merril e Fernando Mascarenhas (10€, com chá e bolinhos…)
- Até dia 30, inscrições para o curso: História dos Estuques Decorativos (6 sessões das 18h30 às 20h45; de 7, 9, 14, 16, 23 e 28 de Fevereiro; Palácio Fronteira; 125 €)
- Até dia 30, inscrições para o curso: Uma Viagem pela História do Cinema (por António-Pedro Vasconcelos e Miguel Simal; 11 sessões das 18h30 às 21h00, com visionamentos às 21h30 de; de 7 de Fevereiro a 16 de Abril; Appleton Square; 175 €)
- De 15 a 19 de Fevereiro, ARCOmadrid2012 - International Contemporary Art Fair
Neste http://azweblog.blogspot.com poderá encontrar, a negro e itálico, eventuais actualizações desta informação.
Boa semana!
JMiguel
1/18/2012
A pequinização dos trabalhadores e do trabalho
A questão anteriormente levantada pelo Governo relativa a uma meia-hora suplementar dada por cada trabalhador à empresa – sem qualquer remuneração acrescida – acabou, ao ser declarada como sem efeito pelo Governo, por constituir a chave para a aceitação de todo o resto de um pacote de medidas excepcionalmente duro. Estamos de certeza em presença da meia-hora mais cara que alguma vez os trabalhadores portugueses pagaram nas últimas décadas.
Todo o esquema foi montado de forma maquiavelicamente inteligente. Quem leia o preâmbulo da proposta de concertação social pode, se for ingénuo, acreditar naquelas excelsas medidas. Só que, depois, o articulado desmente cabalmente a encenação idilicamente exposta.
Os trabalhadores saem prejudicados na precariedade, que é em muito aumentada por várias alíneas, sendo que a da maior facilidade dos despedimentos não constitui o item menos relevante. Devido a falta de adaptabilidade a uma máquina tecnologicamente mais avançada o trabalhador pode ser despedido. Idem, devido ao não cumprimento dos objectivos previamente definidos pela firma.
Os trabalhadores saem prejudicados no corte de feriados e, pasme-se, as "pontes" eventualmente decretadas pelos proprietários são contabilizadas para efeitos de dias de férias dos trabalhadores, que ficarão por conseguinte reduzidas. A juntar aos dias feriados que vão ser em menor número.
A flexibilização do trabalho envolve a flexibilização do trabalhador, que se sujeitará a trabalhar em alturas em que poderia – e deveria - estar a descansar. É que o trabalho quando em excesso fatiga. Sobre a motivação / desmotivação para o trabalho não ouvi nada de concreto. É que o trabalhador é cada vez mais visto como uma máquina, um recurso tangível com a característica de ser "humano", razão por que de há muito as Direcções de Pessoal foram substituídas por Direcções de Recursos Humanos.
O pagamento das horas extraordinárias é, de uma maneira geral, reduzido para metade. O trabalhador que ganhava 100 por cento mais nas horas extra que fazia passa a ter um acréscimo de apenas 50 por cento. Se tinha direito a 50 por cento, passa a auferir 25 por cento mais. Trata-se de um pequeno corte, como é fácil de constatar…
As indemnizações eventualmente a pagar aos empregados pelo patrão sofrem cortes gritantes. A antiguidade deixa de contar como até agora.
Tudo isto para, como o canto embalador da sereia declara no preâmbulo, fomentar o emprego e dar aos jovens mais oportunidades de trabalho. Sacrifica-se o emprego do bode para dar trabalho precário ao cordeiro. A mão-de-obra torna-se com certeza mais móvel, mesmo volátil. Depois, graças a umas piedosas manipulações nas estatísticas, a taxa de desemprego baixa como efeito milagroso destas medidas. Sinal de que se está no caminho certo.
Henry Ford, numa das suas frases mais citadas, dizia que queria pagar bem aos seus trabalhadores porque, afinal, eram muitos deles que compravam os seus automóveis. Aqui, pelo contrário, é o poder de compra dos trabalhadores que é drasticamente diminuído. Preserva-se a formação de riqueza para os mais ricos, que, em vez de a distribuírem, a acumulam depois como almofada de segurança para dias eventualmente mais difíceis. Os offshores aguardam notícias. Quanto aos outros, que se governem!
Os culpados destas medidas, que são "obrigatoriamente tomadas porque não existe outra alternativa", não são os membros do actual governo nem os patrões ou os grandes accionistas. São os suspeitos do costume. O grande culpado já se sabe que é o Sócrates. E será por muito tempo. Mas junta-se-lhe toda a conjuntura internacional. E os famosos "mercados", que só aparentemente não têm rosto.
O exemplo do trabalho na China, barato devido a um excesso de mão-de-obra e a condições que a nós, ocidentais, parecem pouco humanas, terá dado o mote. Gradualmente, à medida que os trabalhadores chineses forem subindo, os nossos irão descendo. Até que se encontrem. É a pequinização do trabalho e dos trabalhadores. Em homenagem a Pequim.
1/16/2012
Aleluia!
Mas eis que surge agora uma medida claramente moralizadora, que esperamos seja a primeira de muitas outras: a aprovação de legislação que acaba com vários privilégios dos gestores de empresas e institutos públicos. Conquanto não se saiba em concreto se esta legislação se aplica também aos gestores actualmente em funções ou apenas aos que irão entrar a partir da sua publicação no Diário da República, é uma lei que se saúda. Quanto a vencimentos, não poderá haver nenhum membro da equipa de gestão que aufira um vencimento mensal superior ao do primeiro-ministro (€ 5300 ilíquidos). Tanto a utilização de cartões de crédito, que tantos abusos causou, como a apresentação de despesas de representação são regalias retiradas a partir de agora. Os contratos passarão a englobar objectivos que, em caso de incumprimento, podem originar demissão, a qual nunca dará azo a indemnização se o gestor não tiver ainda cumprido um ano de serviço.
Era bom que surgissem rapidamente mais medidas deste género em vários domínios para que não se fique com a ideia – amplamente justificada – de que a austeridade quando é decretada é muito mais para uns do que para outros. E que não haja excepções! Duas ou três excepções destroem todo e qualquer edifício que se pretenda construir.
1/08/2012
Não é só a falar que a gente se entende: também a escrever!
A evolução das línguas é imparável, como imparável é a evolução das sociedades. Só quando uma sociedade desaparece, e com ela a língua que ela usava, é que passa a falar-se de uma língua morta. Essa, de facto, não evolui. A dinâmica da evolução linguística – uso ou desuso de determinados vocábulos, neologismos, alterações gramaticais notórias por contacto com pessoas de outras nacionalidades, hegemonia linguística de uma determinada zona asfixiando outras do mesmo país, etc. – tudo isso é próprio de uma língua que está viva.
Já a escrita não tem necessariamente que mudar da mesma forma. Na generalidade dos países e línguas que conheço, mantém-se mesmo na escrita uma memória muito acentuada das origens, que é apenas mais forte nuns aspectos do que noutros. As mudanças na ortografia podem e devem ocorrer quando as alterações forem de tal ordem que se tornasse verdadeiramente obsoleto manter a mesma escrita. Mas mesmo nestes casos a ortografia pode não se alterar substancialmente. Daí que a escrita seja no geral bem mais conservadora do que a língua oral.
Quando em inglês se escreve, por exemplo, light, night, fight, ou eight, se a escrita fosse apenas fonética poder-se-ia facilmente escrever lite, nite, fite, ate. No entanto, isso não sucede. Porquê? Que cada um olhe para as palavras em questão, pense um pouco e dê a sua resposta.
Um dos motivos primordiais consiste no seguinte: a escrita não deve confundir as pessoas – nem quem escreve, nem quem lê – ou, se se preferir, deve confundir o menos possível porque a língua é um fenómeno muito complexo. A escrita deve ensinar quem aprende a ler a dizer a palavra bem.
Aqui vão mais uns exemplos retirados da língua inglesa: quando escrevo dinner, assim com nn, estou a dizer que o –i- é breve, isto é, lê-se mais ou menos como o –i- português e não ai, como acontece quando escrevo dining-room (apenas com um n no sítio onde dinner tem dois).
Dentro da mesma linha mas agora ilustrando com outra vogal,-o-, eu sei que hoped tem um –o- longo, o qual se pronuncia mais ou menos como o ou português, porque a grafia contém apenas um –p-. Se eu escrever com –pp- (hopped), em vez de dizer "esperava" estarei a dizer "saltava" (hop, hop, como o nosso galope). Ou seja, a escrita ensina-me, quando eu leio, que se trata de um –o- fechado ou um de um –o- aberto.
O mesmo sucede com todas as outras vogais: super (grafado apenas com um –p-) é muito diferente de supper, tanto em pronúncia como, naturalmente, em significado. Quando no teclado de um computador como o que estou a usar leio o que está escrito na tecla delete, eu sei imediatamente, embora possa nunca ter encontrado a palavra, que a pronúncia de delete nada tem a ver com a de letting, por exemplo, embora ambas as palavras possam à vista ter vários pontos de contacto. Por que razão sucede isto? Para não confundir o leitor, para ensiná-lo a ler bem e, depois, a escrever em conformidade: para que outros leiam igualmente bem e entendam sem dificuldade o que está escrito.
Em alemão acontece o mesmo em palavras com consoantes dobradas, que indicam que a vogal que as precede é aberta: Sonne (sol) pronuncia-se com um –o- aberto, Sohn (filho) com um -o- fechado. Os nomes Weber e Webber são diferentes, com o primeiro a ter um –e- longo e fechado, parecido com o nosso –e- de medo ou de cedo, enquanto Webber tem um –e- aberto e breve, que soa um pouco como o –e- de credo ou de tecto.
Em francês ocorrem aspectos semelhantes, mas vou referir-me apenas a uma faceta relacionada com a escrita que tem muito a ver com a memória das palavras e que os meus concidadãos portugueses entenderão bem. Olhemos para a palavra francesa tête. E para bête. E para même. O que notamos? Possivelmente que todas elas têm um –e- com um acento circunflexo. Poder-se-á perguntar? Para que serve aquele acento, que também, por exemplo, aparece em hôtel e hôpital? Ora, se pensarmos um pouco, até acabaremos talvez por achar graça verificar que aquele acento circunflexo assinala uma antiga queda, oral e gráfica, de uma letra: o s. Assim, existe uma ligação entre tête e a palavra portuguesa testa. Assim como entre bête e besta. E même e mesmo. E, ainda, entre hôtel e hostal e hôpital e hospital. É a memória da língua a manter-se viva. Tal como a própria língua é viva.
Ora, o facto de uma língua ser viva ou não reveste-se de uma enorme importância, como facilmente se compreenderá. Já se referiu acima que o que é vivo evolui. Vejamos um caso interessante desta evolução. Tomemos um adjectivo português que hoje caiu em desuso: ledo. Muitos dos que leram Camões lembrar-se-ão de uma "triste e leda madrugada". O que significará leda? Não deve ser o mesmo que triste, pois isso seria uma repetição. Mas o contrário também não parece, ou pelo menos não soa como tal. Amargo e doce fazem realmente um contraste, mas triste e ledo aparentemente não. E não porquê? Porque o –e- de ledo é fechado. Na realidade, no tempo de Camões leda pronunciava-se léda, com um –e- aberto, tal como acontece com alegre e com belo. Ledo provém do latim laetus, palavra pronunciada com –e- aberto. Letícia significa alegria, como se sabe.
Ora, é aqui que quero chegar. Há sinais convencionais, letras, que são usados no latim e em tantas outras línguas, como por exemplo a portuguesa, para mostrar que a antecedê-los está uma vogal aberta, nomeadamente se se trata das vogais intermédias –e- e –o-, mas também de -a-. Essas letras convencionais são basicamente o –c- e o –p-. Embora não se leiam em muitos casos, ajudam a ler! E isto foi totalmente ignorado pelos bárbaros autores do famigerado acordo ortográfico, que tanta polémica, infelizmente sem resultado, originou. Quando escrevo correcto e coreto, espectador e espetador, eu sei que, tal como distingo a diferença entre dinner e dining-room, que estou a ler palavras com –e- aberto ou fechado. Sei que directo e excepto têm, necessariamente um –e- aberto. Sei que redacção não é redação (com –a- fechado, como em relação).
Terei de concluir que, a partir deste acordo, os alunos ficam com uma tendência para, na leitura, fechar vogais que são abertas na língua oral.
Na língua oral portuguesa? Sim. E na língua oral brasileira? Bem, aí o caso muda de figura. Se a língua é um fenómenos social, é não só possível como natural que, na sua condição de social, a língua portuguesa falada no Brasil tenha evoluído de forma diferente da portuguesa europeia: são sociedades diferentes influenciadas por factores diversos e separadas por um largo e vasto oceano. No português que se fala no Brasil, muitas das vogais que entre nós continuamos a abrir, já se fecharam – e como tal são grafadas! Alguns exemplos apenas, dos muitos que existem: econômico, fenômeno, manicômio, contrôle.
E, já que entrei no domínio do português falado e escrito no Brasil, não será curioso que, pelo menos já na década de 1950 – constato-o através de edições brasileiras que existem nas minhas estantes – no Brasil se escrevesse objeto para objecto, objetivo para objectivo, ceticismo para cepticismo, jato para jacto, ato para acto, efetivo para efectivo, caráter para carácter, exceção para excepção, exceto para excepto, onipotência para omnipotência, otimismo para optimismo, adotar para adoptar, correto para correcto, atual para actual, sutil para subtil, coletivo para colectivo, seletivo para selectivo, afetivo para afectivo, afetuosamente para afectuosamente, exato para exacto e exatamente para exactamente?
A razão por que os rapazes e raparigas portuguesas que estão a aprender as primeiras letras na escola são obrigados a embarcar nesta nau continua a ser um mistério para mim. Não hesito no entanto em considerar que se trata de uma vergonhosa colonização – para Portugal – da língua que no seu território desenvolveu, levada a efeito, com misteriosos compadrios lusos, pelo parceiro mais poderoso que hoje é o Brasil.
Infelizmente, não existe nenhum rigor científico nem clareza no acordo. Existe, sim, uma evidente e lastimável perda de soberania da nossa parte. Ficamos menos europeus – mais distantes na escrita de línguas como a espanhola, a francesa, a inglesa e até a alemã - , obrigamos os nossos filhos e netos a cometerem mais erros de grafia ao escreverem textos nessas línguas, criamos-lhes maiores dificuldades. E, sinceramente, tudo sem qualquer necessidade nem efeitos positivos para nós e para a nação portuguesa.