12/20/2004

Fernando Pessoa e Salazar

Os versos aqui colocados ontem são de Fernando Pessoa. Na maior parte dos livros sobre Pessoa não aparecem, talvez por serem versos menores...

Durante a sua vida, Salazar procurou claramente colar-se a uma figura histórica portuguesa: o Infante D. Henrique. À semelhança da imagem do Infante que historiadores nos legaram, Salazar era austero, solitário, devotado ao engrandecimento da nação, timoneiro de um país que precisava de alguém que lhe desse rumo. Preocupado com o que restava dos sonhados impérios do Infante, Salazar tinha homenageado D. Henrique no grande catecismo de pedra -- o Portugal dos Pequeninos -- que mandara construir em Coimbra, a cidade dos seus estudos universitários. Na grande Exposição do Mundo Português, realizada em Lisboa na mesma altura, aparecia em destaque a figura do Infante. Em 1960, quando a ameaça das grandes potências mundiais sobre o império português se avolumou, o Infante foi esculpido como estátua de proa do Padrão dos Descobrimentos, em Lisboa (Belém). O monumento foi mandado erigir por Salazar em colaboração com a República da África do Sul -- o grande bastião africano branco de então, juntamente com o nosso país.
Perante este cenário, não deixa de ser ironicamente curioso que o mesmo poeta que celebrou numerosas figuras da história de Portugal nos seus versos, como por exemplo D. João II, no famoso "Mostrengo", e o Infante D: Henrique no "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce", não tenha poupado a personagem Salazar. Escrever

António de Oliveira Salazar
Três nomes em sequência regular...
António é António.
Oliveira é uma árvore.
Salazar é só apelido.
Até aí está tudo bem.
O que não faz sentido
É o sentido que isto tem.

não é exactamente enaltecer alguém. Ou terá sido porque Fernando Pessoa viveu no tempo real de Salazar, enquanto que as outras figuras por si exaltadas eram já produto de uma mitificada construção histórica?

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