12/18/2004

O PRINCÍPIO DA AGRADABILIDADE - I

Faça um pequeno teste com alguém que já tenha estudado inglês. Peça-lhe para escrever "agradável" em inglês (sem ser "pleasant"). É natural que a pessoa escreva "agreable" em vez de "agreeable". Issso poderá derivar do facto de essa pessoa saber francês, língua em que se escreve "agréable", ou de achar estranho escrever três vogais seguidas (-eea-). O importante, porém, não é nenhum destes motivos mas sim o facto de a pessoa em questão não associar a noção de agradável ao verbo "to agree" (concordar). Ora esta noção é ultra-relevante, na medida em que nos leva a pensar que são as coisas com que concordamos aquelas que são "agradáveis" para nós.
Imagine um artigo num jornal assinado por uma pessoa com cujas ideias você não concorda. O mais provável é que você não use a mínima energia dos seus olhos a ler uma linha do artigo. Se já sabe de antemão que não vai concordar, para quê dar-se ao trabalho e maçada de ler uma coisa que o vai deixar mal disposto no final?
O director do jornal conhece este facto. Através de estudos do mercado e da análise das vendas do periódico, ele tem consciência daquilo que interessa/agrada ou não aos seus leitores. Portanto tenta construir o seu jornal de acordo com o princípio da agradabilidade ("agrada-nos aquilo com que concordamos"), incluindo também uma dose q.b. de artigos que poderão não agradar ao núcleo principal de leitores mas apanharão franjas que são também mercado, potencial e real.
Tanto a escolha das capas de revistas como a selecção que recai sobre os apresentadores de televisão representam, por assim dizer, uma forma de eugenia, também relacionada com a agradabilidade. Por razões de volume de vendas ou taxas de audiência e tendo por base o princípio acima mencionado, é seleccionado o mais atraente e belo. O contrário poderia ser repelente e afastaria muitos leitores e espectadores. Desta atitude selectiva resulta, porventura inadvertidamente, a exclusão de muitos, que são afinal a esmagadora maioria. Todos os patinhos feios caem nesta maioria. A escolha cada vez mais acentuada de pessoas bonitas ("fotogénicas", dizia-se antigamente, "mediáticas", diz-se hoje) para capas de revista representa uma inegável aposta forte no individualismo no campo do social e, em certa medida, do elitismo: uns são eleitos, os outros são excluídos.
É também em concordância com o princípio da agradabilidade que parte da censura actua nos países em que ela existe institucionalizada: só se mostra o que é agradável -- o que exalta o ego da nação, o que desperta animosidade contra adversários antigos, o que realça as boas qualidades e os valores éticos vigentes. Esconde-se o desagradável e o inoportuno.

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