3/16/2006

Estabilidade e segurança

Quando confiamos em alguém, não temos grande problema em comprar-lhe um carro em segunda-mão. Na realidade, porém, só um número reduzido de indivíduos que conhecemos nos merece essa confiança.
A nível estatal, confiar os dinheiros da nação a qualquer um constituiria uma enorme irresponsabilidade. É que, de entre os ministros de um governo, o cargo de Ministro das Finanças assume uma relevância muito superior, por exemplo, à de um Ministro do Ambiente ou do Desporto.
Durante um estudo sobre a toponímia da cidade de que resultou, entre outras coisas, um pequeno texto recentemente publicado neste blog, calhei cair sobre uma listagem de Ministros da Fazenda / Finanças de Portugal. A lista é oficial, encontra-se disponível na Internet e abrange um longo período de 218 anos: desde 1788 até ao presente. Constatei a existência de 231 Ministros ao longo do período referido, com alguns a bisarem e outros a cumprirem 3, 4, 5, 6 e, em dois casos, mesmo 7 mandatos. A julgar pelo número de ministros e de anos abrangidos, existiu uma certa instabilidade governamental, pois a média não atinge o número de um ministro por ano, o que é notoriamente pouco.
A maioria das pessoas gosta de estabilidade. Esta, no entanto, não é toda igual. Assim, em ditaduras, a estabilidade é imposta; em regime liberal, a estabilidade é consentida. Estabilidade pode, igualmente, ser sinónimo de mera estagnação, o que não é exactamente uma virtude.
No período abrangido, tivemos de tudo. Entre 1788 e 1820, ano da eclosão bem sucedida do liberalismo, houve apenas 9 Ministros da Fazenda, o que se traduz numa média de 3 anos e 7 meses por ocupante do cargo. Parece uma estabilidade razoável, embora só por si não queira dizer muito.
No período que medeia entre 1821 e a implantação da República em 1910, houve um total de 109 Ministros da Fazenda, o que conduz a números médios muito baixos: 9 meses apenas.
O terceiro período, o da 1ª República, que tem como balizas 1910 e o 28 de Maio de 1926 tão celebrado pelo Estado Novo, poderia facilmente ombrear com "os loucos anos 20". Nesses 16 anos, houve 66 Ministros da Fazenda! Isto significa que, em média, cada Ministro aqueceu a sua cadeira durante três meses apenas. A isto pode chamar-se instabilidade. E insegurança.
O clamor pelo inverso transportou o andor onde Oliveira Salazar se posicionou para tomar, ele e o seu regime, as rédeas do país durante 48 anos (até 1974). A ocupação média dos cargos de Ministro das Finanças subiu então para 2 anos e 2 meses. Foi estabilidade imposta.
Imposta ou não, essa estabilidade perdeu-se um tanto com o regime democrático, mais conflituoso na medida em que permite a liberdade de expressão. Os 25 Ministros das Finanças que preencheram os 32 anos decorridos até agora provocam outra vez um abaixamento da média (para apenas um ano e 3 meses), com todas as oscilações que isso ocasiona. Daí que tenham surgido muitos saudosistas de Salazar que recordam, com visível enlevo, "os tempos em que se sabia com o que se podia contar".
Esta é uma análise breve, mas não desprovida de significado. Se tomarmos em consideração que os mandatos governamentais são em princípio de 4 anos, a constatação de que estamos presentemente longe de metade dessa meta dá que pensar. Algo que dá igualmente que pensar é o registo de que entre os 231 Ministros mencionados existiu apenas uma mulher: Manuela Ferreira Leite. Neste caso, nem vale a pena falar em percentagens...

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