3/25/2006

Notícias para o desânimo?

A notícia fez manchete no Público. A TV repetiu-a. Outros media glosaram-na. "Portugal já foi ultrapassado pela República Checa." Ter sido ultrapassado representa, neste caso, possuir um PIB inferior. Ora, em princípio não há nada de mais natural do que o facto de o PIB português ter crescido menos do que o checo. Apresentando a República Checa remunerações ainda atraentemente baixas para os empresários, além de uma formação escolar apreciável, é absolutamente natural que nos tenha ultrapassado. Quantas multinacionais saíram de Portugal nestes últimos anos, indo exactamente para países como a República Checa, Eslováquia e Polónia, onde se praticam ainda salários baixos? Com certeza que quando a maré vaza num lado, enche no outro.
Só que, justiça seja feita, a República Checa possui a grande vantagem que a Alemanha também teve, por exemplo, aquando da aplicação do Plano Marshall. É conveniente recordar que planos similares ao Marshall foram entretanto aplicados pelos americanos noutros locais. Sem qualquer sucesso. A razão é simples. Ao contrário do que sucedeu na Alemanha, onde existia uma sólida cultura das populações, nas outras paragens em que os sucedâneos do Marshall foram tentados havia carência desse "pormenor". Quem visita Praga entende bem o que a cultura representa naquele país. Entende que Viena, Budapeste e Praga eram cidades do mesmo império austro-húngaro, com forte componente cultural, visível na música, na literatura, na engenharia, na química, na indústria de uma maneira geral. Condicionada pelo império soviético, a Boémia e toda a Checoslováquia de antigamente entraram em declínio, como seria previsível. Basta no entanto um arranque desta ordem para levantarem cabeça. Está lá a base educacional.
Entretanto, gostaria de lembrar umas palavras sábias do economista Daniel Bessa: "O controlo do défice externo é mais importante do que a obsessão com o défice público. No dia em que exportarmos mais, os dois défices resolvem-se. Mas temos de ser nós a exportar, e não os estrangeiros que vierem para cá fazê-lo por nós." Isto porque os lucros das empresas estrangeiras que operam em Portugal entram no nosso PIB mas acabam por sair do país. A economia não é uma ciência exacta, como sabemos, e há dados, como o PIB, que representam o que representam. Por vezes são alguma fachada. Analisado à luz do nosso fisco, o descalabro entre ricos e pobres também não é tão visível como aquilo que se depara aos nossos olhos.
Contudo, isto não quer de maneira nenhuma dizer que Portugal não precisa de trabalhar e trabalhar e trabalhar mais, e mais proficuamente, além de gastar menos, porque essa é uma realidade inegável. Gostaria entretanto de lembrar aos jornalistas dos vários media que não é com títulos de desânimo e aparente regozijo perante más notícias que se levanta um país.

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