Há poucas semanas, tive ocasião de ouvir e falar com um capitão de Abril - de facto um dos mais importantes do movimento das forças armadas - durante o jantar de uma tertúlia de que faço parte. Ele foi o orador convidado. Gostei que ele se tivesse considerado “herói acidental”. É a propósito dessa evocação que alinhavo estas linhas, que traduzem sinteticamente o meu pensamento sobre a revolta. Aproveito o facto de se estar agora a discutir mais o problema colonial a propósito de uma óptima série na RTP.
O movimento militar do 25 de Abril de 1974 foi, como se sabe, conduzido principalmente por oficiais, na sua maioria com o posto de capitão. Para quem já não se lembra ou, eventualmente, nunca soube, é conveniente dizer que o despoletar do movimento, que levou à realização de várias reuniões entre oficiais, teve a sua origem próxima num decreto governamental de 1973 que foi considerado grave pelos capitães, muitos deles em missão de guerra em terras de África. O decreto permitia que oficiais milicianos - portanto, não de carreira - já com experiência de uma campanha nas colónias, pudessem, após um período relativamente curto, ser promovidos a capitães. Para o governo, a medida tinha como desígnio assegurar a existência de mais oficiais para comandar as tropas na guerra de África. Aos olhos dos capitães, porém, o decreto foi visto como um retardamento ao seu já demorado processo de promoção, o que os faria transitar para o posto de major muito mais tarde do que esperavam, com a agravante possibilidade de poderem ser injustamente ultrapassados por milicianos que não tinham tido a longa preparação deles na Academia Militar.
Embora este tenha sido o detonador do descontentamento militar, tem de reconhecer-se que existia latente um grau elevado de insatisfação. Eu chamar-lhe-ia "o cansaço da guerra". Um conflito que eclodira em 1961 mantinha-se sem resolução em 1973. Eram 12 longos anos, e em certos casos até mais porque antes de 1961 já havia oficiais que tinham estado na Índia, em Macau, em Timor, etc. Tomemos, em termos de comparação, o caso actual do Iraque, uma guerra que era para ter sido resolvida num ápice. Já lá vão cinco anos. Os oficiais portugueses iam em 12! Todo o militar gosta de ganhar guerras e não de perdê-las. Por outro lado, ficar sem um braço ou uma perna, com a coluna partida ou mesmo morto, era uma possibilidade não muito remota. A revolta era uma oportunidade para terminar com a palhaçada dos capitães milicianos e de um regime caquético. Esperava-se que desse certo, e certo deu. Depois de um percalço notório com uma saída fracassada de tropas das Caldas da Rainha em Março, o 25 de Abril foi um sucesso. O regime caiu de podre.
Como resultado de algo que aconteceu mesmo surpreendentemente bem - a revolução dos cravos foi feita mais com flores do que com balas - os militares deixaram de ser os perdedores da guerra colonial para se tornarem os libertadores da pátria. Deixaram de ir para África em campanhas, a sua vida voltou ao remanso dos quartéis e dos estados-maiores. Vários deles tornaram-se uma elite de heróis e membros do chamado Conselho da Revolução.
Hoje, quase trinta e quatro anos depois, os tempos são outros. O destemido plano dos capitães de Abril está algo esquecido, mas a derrota do exército no conflito de guerrilha africana não é vista como tal. Os capitães tornaram-se os libertadores de Portugal. Cumulativamente, foram elemento decisivo na libertação das colónias.
Rever, nesta ultra-síntese tipo-blogue, uma página importante da história portuguesa talvez valha a pena.
P.S. Dar uma vista de olhos a uma série de entrevistas de rua sobre o 25 de Abril, um link que me foi amavelmente enviado pelo Capuchinho Vermelho, é que vale certamente a pena.
http://www.megavideo.com/?v=QHOYAVC0
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