2/25/2008

Avaliação de professores

Pode dizer-se que não há dia em que não saia alguma notícia nos media sobre a avaliação dos professores preconizada pelo Ministério da Educação para o ensino básico e secundário. Como ex-docente de escolas superiores privadas e públicas, concebi e executei avaliações (numa escola privada) durante cerca de 25 anos. Talvez por isso, não resisto a alinhavar um breve apontamento sobre o assunto.
O primeiro ponto que gostaria de frisar é o seguinte: as avaliações, se bem conduzidas, são extremamente úteis para a melhoria de uma instituição.
O segundo ponto, primordial, é que estas avaliações não devem incidir unicamente sobre professores, mas sim sobre a instituição. Um estabelecimento de ensino é um todo, no qual se integram estudantes e docentes, mas também a direcção, as instalações, o equipamento, a secretaria, a biblioteca, a cantina e salas de estudo. Uma avaliação deve abranger estes pontos, assim como o plano das disciplinas e respectivo horário. Uma avaliação que se faça exclusivamente a professores pode parecer um acto persecutório de um grupo específico de profissionais. O objectivo de uma avaliação institucional é o de detectar itens anómalos passíveis de correcção, a fim de posteriormente se efectuar essa correcção na medida do possível. Ora, o corpo docente é uma parte substancial de uma escola, mas está longe de ser ele o único a necessitar de eventuais melhorias. Em meu entender, esta é a razão principal por que a actual proposta de avaliação está a surgir como uma provocação e a suscitar uma natural agitação em profissionais que, por sua culpa ou devido ao "sistema", têm visto o seu status social baixar drasticamente nos últimos anos.
Mão amiga fez chegar à minha caixa do correio quatro documentos importantes para a avaliação pretendida pelo Ministério. São eles (1) Um conjunto de princípios e orientações gerais, assinado pela Presidente do Conselho Científico para a Avaliação de Professores, (2) Ficha de avaliação do desempenho de docentes dos 2º e 3º ciclos, a ser preenchida pelo Coordenador do Departamento, (3) Ficha de avaliação do desempenho, a executar pelo Presidente do Conselho Executivo e (4) Avaliação global do desempenho de docentes do pré-escolar, 1º, 2º e 3º ciclos do ensino secundário, a realizar pelo Ministério.
Tudo me parece um processo altamente burocratizado, que contrasta com a simplicidade das avaliações que pessoalmente conduzi. Existem, pelo menos, 15 anexos, que levam a que cada professor seja avaliado em termos de variadíssimos itens, como "capacidade de comunicação e estímulo do interesse dos alunos pela aprendizagem", "promoção de um clima favorável à aprendizagem, ao bem-estar e ao desenvolvimento afectivo, emocional e social dos alunos", "regularidade, adequação e rigor da avaliação diagnóstica, formativa e sumativa das aprendizagens, incluindo a sua apresentação em tempo útil". Como é que se pode dar uma nota rigorosa a cada professor relativamente ao seu esforço de promoção de um "desenvolvimento afectivo, emocional e social" dos alunos? Ou, como noutra ficha se avalia, se pode apreciar com justeza aquilo que é pedido: "Empenho, participação e contributo para a definição e concretização de estratégia para a prevenção e redução do abandono escolar"? Isto é newspeak do mais ridículo que tenho visto! Apetece dizer que se é assim o topo da educação - o Ministério - como querem que a educação saia bem? Repare-se que a actividade de um professor é aqui esquartejada ao milímetro, não sendo nada impossível que, desta forma, docentes que são por todos considerados bons saiam com classificações inferiores a outros de qualidades mais duvidosas. Não é feita a pergunta necessária aos alunos, algo como "Globalmente, numa escala crescente de 1 a 5, como classificarias o professor da disciplina?" O global é, de facto, muito mais do que a soma das partes!
Mesmo assim, se exceptuarmos o linguagês burocrático usado, nem tudo estará mal: parece-me correcto que se considere em termos pontuais o "progresso das aprendizagens dos alunos relativamente à avaliação diagnóstica realizada no início do ano." Só que, francamente, duvido muito que em todas as disciplinas de todas as escolas tenha sido feito um teste inicial para diagnosticar em que patamar se encontravam os conhecimentos dos alunos. Sem esta referência, como é que o item pode ser válido?
Também me parece bem que haja pontuação para as diferenças eventualmente verificadas entre as provas de exame nacionais e as classificações internas da escola - apesar de nem todas as disciplinas nem todos os anos terem esses exames nacionais. Porém, o princípio é correcto e deverá ter incidência, penalizadora ou premiável, no caso de essa diferença ser maior do que um determinado número. Esperemos que, num próximo futuro, haja mais exames nacionais.
O cúmulo da perseguição aos professores através da assiduidade às aulas - frequentemente típica do funcionário público cumpridor mas sem qualquer rasgo de inovação e originalidade - é-nos dado através da meticulosidade de uma avaliação a fazer pelo Presidente do Conselho Executivo, que tem cinco parâmetros mesquinhamente definidos com metas de cumprimento de (1) 100 por cento do serviço lectivo (O.K.), (2) de 98 por cento a 99,9, (3) de 95 por cento a 97,9, (4) de 90 por cento a 94,79 e, depois, todo o condenatório remanescente de (5) "menos de 90 por cento do serviço lectivo" (anexo XIII). Algo incongruentemente, note-se, um outro anexo (XV) pergunta se "o docente cumpriu em cada ano lectivo do período em avaliação pelo menos 95 por cento das actividades lectivas". Já agora, o patamar deveria situar-se nos 90 por cento.
Onde é que os alunos da escola, que são os grandes receptores das aulas, se podem pronunciar? Está prevista alguma folha em branco onde eles possam dizer abertamente tudo o que sentem, assinando se assim o quiserem ou permanecendo anónimos se o preferirem? Será que, pelo menos, os estudantes que estão nos anos 10º, 11º e 12º não poderiam fornecer o seu depoimento?
Se eu próprio tivesse estado sujeito a estas grelhas para ser avaliado, duvido que alguma vez tivesse alcançado as boas classificações que sempre obtive. Mais: em face deste mar de vacuidades barrocas, duvido que continuasse com vontade de ensinar. Alguns dos bons professores que tive ao longo da minha vida de estudante, e muitos mais como colegas de profissão ao longo de 41 anos, sentiriam certamente o mesmo. Aparentemente, o que interessa é andar direitinho, não fazer ondas, não se queixar de nada, entrar a horas e sair a desoras se necessário. Lamento ter que dizer que toda esta avaliação, a começar por ignorar a existência do todo da instituição, não passa de uma palhaçada monumental.

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