2/21/2008

Índia (III) - "It's my duty!"


Quando coloquei ao Daryl, que nos serviu de motorista-guia num dos dias da nossa estadia em Goa, a questão do relacionamento entre os católicos, como ele, e os hindus, ele não hesitou em afirmar que não havia problemas. "São duas comunidades diferentes, mas que não se agridem mutuamente. Pacíficas." Depois, acrescentou: "Mas eles são muito diferentes de nós. Faz-me impressão vê-los sempre a trabalhar, sempre a andar de um lado para o outro, apesar dos salários baixos que têm. Ao contrário de nós, não parece dar-lhes muito gosto sentar-se a uma mesa para uma boa refeição sem pensar muito nas horas; parece que não precisam de uma pausa para uma amena cavaqueira, de um descansozinho de vez em quando."
Tive ocasião de confirmar nos dias seguintes, já fora de Goa e em diversos outros locais da vasta Índia, a correcção daquele juízo. Aos indianos a quem simplesmente perguntei se viam os seus compatriotas como gente preguiçosa ou como diligentes trabalhadores, não houve um só que me referisse a indolência ou a preguiça como sendo apanágio do seu povo. Pensei para mim que, em Portugal, não encontraria por parte dos meus patrícios a mesma unanimidade de respostas a pergunta idêntica.
Foi em Jaipur que, pela primeira vez ouvi, da boca do já não jovem indiano (foto) que nos conduzia na sua bicicleta-rickshaw, a expressão "It’s my duty!" Sempre que lhe falávamos, algo constrangidos de o ver transportar pessoas devido à sua idade, ele respondia-nos com verdadeira força interior: "It’s my duty". O mesmo viria a suceder com outras pessoas, se lhes pedíamos desculpa pelo tempo que lhes levávamos, um eventual atraso ou qualquer outra coisa.
Vieram-me à memória com alguma força os ecos muito distantes de um Gunga Din, que eu já julgava completamente esquecido e que era personagem de um filme que vi com os meus 12 ou 13 anos. Já em Lisboa, procurei esse Gunga Din na Internet, incerto até que estava de ser esta a grafia. Encontrei-o no nome do filme, e fiquei a saber que se tratava de um aguadeiro indiano de umas determinadas tropas inglesas, que acorria sempre que, no meio do calor imenso de uma caminhada ou na refrega de uma batalha, alguém necessitava de água urgentemente. Solícito, extremamente prestável, Gunga Din acudia invariavelmente. Apesar de ser tratado pelos brancos não como um igual mas como um serviçal - típico do racismo europeu (e não só) - , ele vivia o seu papel intensamente. Era o seu dever. Não questionava. Um dia, uma bala atingiu-o mortalmente. No poema que Kipling lhe dedicou e que está na Net, sobressai o último verso: "Como ser humano, és melhor do que eu."
Encontrei na Índia muitas pessoas assim. Num hotel em Bombaim, calhou falar várias vezes com o ascensorista, um indivíduo simpático e com algum inglês. Quando o questionei sobre a eventual monotonia do seu trabalho, negou-a imediatamente. "Estou bem, sinto-me feliz. Trabalho aqui oito a dez horas por dia. Estou neste hotel há dezasseis anos. Gosto do que faço. Sou útil."
Admito que outras pessoas reajam diferentemente. No geral, porém, deparei com uma sociedade confiante no futuro, apesar da sua pobreza ou exactamente por causa dela. São abnegados, estão motivados para trabalhar. Conforme já deixei expresso anteriormente, não acredito que uma substancial melhoria social possa ocorrer na Índia a curto prazo, mas estou crente de que ela ocorrerá, mais tarde ou mais cedo. Ter confiança no futuro é algo tremendamente importante para a felicidade.

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