9/10/2009

Colocando os pontos nos ii


Para que não se diga que sou um acrítico leitor do novo jonal i que refiro no meu último post, aqui vai o que se me oferece dizer muito brevemente sobre o tema de capa do dia de hoje: "O que os portugueses querem de Ferreira Leite."
Começo por lembrar que sondagens de opinião são formas muito antigas de influenciar a opinião pública. Já nos áureos tempos da civilização helénica, vários dos famosos oráculos faziam o favor de prever aquilo que algum poderoso lhes pedia.
Neste caso, o jornal é feito por pessoas inteligentes, que usam técnicas modernas para abordagens de temas que são de sempre. A orientação do periódico vai, embora de forma relativamente bem doseada, para a direita, favorecendo nomeadamente o PSD.
Nos tempos da guerra colonial, se, por volta da hora do jantar, Salazar aparecia a fazer um discurso aos microfones da rádio ou da televisão, já se sabia que no dia seguinte de manhã um jornal como o Diário de Notícias informava em grandes parangonas: "Angola está com Salazar!" Era extraordinário como no espaço de pouquíssimas horas tinha sido possível auscultar a opinião de uma amostra significativa da população angolana e fornecê-la assim, fresquinha e consoladora, a quem lia o jornal enquanto tomava o seu pequeno-almoço. Mas era assim mesmo!
Os tempos são outros, as firmas de sondagens em Portugal ficaram um pouco desacreditadas após o fracasso das previsões dos resultados das últimas eleições europeias. Talvez por isso e porque este tipo de entrevistas-blitz ao povo é menos científico mas mais facilmente manipulável, o i apresenta-nos, como se vê na foto de capa, um altifalante (empunhado por alguém do povo) a gritar os desejos da população do país. Para amenizar o realce dado a MFL, é anunciado que no dia seguinte o jornal publicará o mesmo tipo de questionário rápido sobre aquilo que os portugueses querem de Sócrates.
Permito-me fazer aqui uma breve citação de um politólogo estudioso do tema - Francis Szpiner - no seu livro Les Moutons de Panel. "A utilização das sondagens para substituir a decisão política dá ao povo a impressão de que está sempre a ser consultado. O poder relaciona-se com as sondagens como um tóxico-dependente (há quem encomende sondagens todas as semanas) e como traficante (introduzindo na opinião pública os temas que lhe interessam). As sondagens indicam ao poder o que deve fazer a seguir e, se as manipularem, servem para extrair da opinião pública o que querem impor-lhe."
Ora, o que faz aqui o i de uma assentada? Ao restringir (aparentemente) a MFL e ao actual primeiro-ministro a dita consulta popular, está a excluir todos os restantes candidatos. Temos assim "O Combate dos Chefes", à boa maneira de Astérix e Obélix. Muito mais do que uma short-list, é já um apuramento para a final. Democrático? Nem por isso! Jornalístico? Sim.
Depois, no texto, o jornal apresenta, em quatro páginas, fotos de 20 potenciais eleitores, cada um deles segurando uma ardósia onde escreveu com a sua própria letra a mensagem do que queria ou não queria que MFL fizesse. Mais uma vez: é uma abordagem mediática e assume aspectos de credibilidade. Contudo, ter 20 pessoas a representarem vários milhões de votantes é praticamente igual a zero! Adiante.
Em maior detalhe, nota-se que um dos textos que acompanham a reportagem diz: "Fernanda, que não quis revelar o seu nome "por ser funcionária pública", é rápida na resposta. Pega na ardósia e deixa um recado a Manuela Ferreira Leite: "Não faça agora o mesmo que fez quando esteve no governo" como ministra." Supunha eu, como leitor, que essa Fernanda que não se queria identificar por ser funcionária do Estado - o medo instaurado por Sócrates! - , não aparecesse nas fotos por razões óbvias. Estava enganado. Aparece! E com idade (58 anos) e local de trabalho (Leiria). Entretanto, o texto que ela escreveu na ardósia é que não bate exactamente certo com o que o jornal refere: "Quero que faça aquilo que não fez." Admitamos que parece haver aqui alguma manipulaçãozinha, ou será apenas o meu céptico cartesianismo a funcionar?
Quanto ao resto, a técnica foi a de fazer o cotejo entre os pedidos e o que está no programa do PSD. Daqui resulta uma informação bastante positiva do programa, como se vê, por exemplo, na comparação entre o pedido de aumento das pensões mínimas de uma senhora com 77 anos, da Maia: "Faremos uma revisão das pensões de velhice do regime não contributivo apoiada numa visão completa do rendimento e património do agregado familiar dos idosos, para poder aumentar o apoio aos mais carenciados." "Está escrito", acrescenta o jornal.
O i como opinion-maker? O que é que se podia esperar?

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