9/29/2009

No rescaldo eleitoral

Realizadas as eleições – faltam apenas apurar os votos dos círculos de emigração que provavelmente darão os habituais três deputados ao PSD e um ao PS – verifica-se que houve de facto surpresas. Algumas são possivelmente assacáveis ao quarto poder.
"Aos três poderes tradicionais – executivo, legislativo e judicial – há que acrescentar um quarto – os media –, que transforma radicalmente a forma como os outros três poderes são exercidos." A esta reflexão do professor Fernando Ilharco, há que acrescentar este ano a influência desse quarto poder durante a campanha eleitoral.
A novidade dos debates acasalados entre os líderes dos partidos representados no Parlamento, que foram interessantes, influenciou notoriamente os portugueses. O grande vencedor dos debates foi, sem dúvida, Paulo Portas. Inteligente e arguto, soube esgrimir argumentos que lhe faltarão no acto de governar mas que lhe fazem grangear pontos em termos de retórica. Não foi só bem-falante: fez com diligência o seu homework, pelo que ia preparado para saltar para áreas onde não tem experiência mas nas quais, populisticamente, encontra o apoio de muitos votantes, nomeadamente no domínio da segurança, típico da direita. Aproveitou bem a falta de jeito mediático de MFL para lhe roubar votos de que ela necessitaria no seu partido e que, face ao desastre de Santana Lopes em 2005, tinham ido nesse ano juntar-se aos dos socialistas de José Sócrates. Paulo Portas conseguiu que o seu partido fosse o terceiro em número de deputados na Assembleia, dando-se ainda ao luxo de eleger um deputado pelo círculo da Madeira, o que não sucedia há mais de 30 anos!
Sócrates pretendia firmar-se no poder, o que conseguiu após quatro anos difíceis e campanhas muito agressivas contra a sua figura. A penalização para o partido consistiu na perca de meio milhão de votos, traduzida na diminuição de duas dúzias de deputados. Mesmo assim, foi o mais votado e recuperou parcialmente do fracasso das eleições europeias.
Algo surpreendentemente, o PSD aumentou em mais de 6 mil votos o número atingido em 2005 e meteu uma lança em África ao conquistar mais 6 deputados, número que possivelmente subirá para 9 ou 10 graças aos círculos de emigração. Belo pecúlio!
Como seria previsível, o Bloco de Esquerda subiu (em mais de 192 mil votantes) graças à descida dos socialistas e ao seu mérito próprio, tendo crescido 100 por cento no número de deputados: de 8 passou para 16!
A CDU, embora tivesse descido em termos de ranking, viu aumentado o total dos seus eleitores apoiantes, o que lhe terá garantido mais um deputado relativamente às últimas eleições realizadas.
Portanto, houve contentamentos possíveis para todos os líderes. Foi uma alegria!

O que se seguirá exige de todos aquilo de que, afinal, todos os líderes deram público testemunho: responsabilidade. Responsabilidade perante a nação, sobretudo. O Parlamento português vai porventura desempenhar um papel mais importante do que na legislatura anterior. Um dos grandes problemas em Portugal reside no facto de os partidos – desde os comunistas aos socialistas – exigirem aos deputados por si eleitos total disciplina de voto, a não ser em casos esporádicos. Isto castra os deputados, como já tem sido múltiplas vezes frisado. Sem liberdade, eles deixam de ser responsáveis. Fazem o que lhes mandam fazer. "Quando o equilíbrio do barco em que viajo se encontra ameaçado por sobrecarga num dos lados, tento o mais que posso transportar o pequeno peso dos meus argumentos para o lado que possa garantir o equilíbrio," escreveu Edmund Burke, advogado e político irlandês do século XVIII, que foi durante muitos anos deputado do Parlamento britânico. Defendeu a opinião de que um deputado, uma vez eleito, passa a representar mais a nação do que os cidadãos que o elegeram. Pertencer ao Parlamento de um país significa, acima de tudo, representar os interesses da Nação. Na linha deste posicionamento, os deputados devem despojar-se da sua ideologia partidária, na eventualidade de, em consciência, notarem que a orientação de uma determinada proposta do seu partido, ou de outro, é contrária ao interesse nacional. Segundo Burke, este respeitável comportamento simboliza, em teoria, a máxima imparcialidade, desde que a honestidade mental dos deputados seja coerentemente mantida.
Ora, a compreensão desta atitude, que considero correcta, deveria fazer mudar substancialmente o comportamento dos deputados: os socialistas perderiam a prepotência e arrogância que muitas vezes denotaram durante a sua última maioria absoluta, os sociais-democratas e os restantes espelhariam uma posição mais responsável que não fosse a de um rotundo "não" inicial a cada proposta que seja submetida para aprovação. Tendo os portugueses votantes mantido uma percentagem de 60%-40% no que respeita ao posicionamento esquerda-direita, seria ajustado que os membros do parlamento respeitassem mentalmente essa tendência. Seriam mais deputados, livres e pensantes, do que meros representantes parlamentares ordeiramente disciplinados do seu partido. Ao funcionarem menos em termos "clubistas", os membros da Assembleia seriam melhores deputados da Nação.

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