Sempre fui a favor de aulas teóricas complementadas com aulas práticas, ou então defendo que se faça na mesma aula a interligação entre teoria e prática. Já no remoto século VI antes de Cristo Confúcio dizia "Oiço e esqueço. Vejo e lembro-me. Faço e aprendo!". Mais modernamente diz-se algo parecido: "Retemos 10 por cento do que ouvimos, 50 por cento do que vemos, 90 por cento do que fazemos."
Quando estamos numa aula, numa conferência ou numa roda de amigos é muito frequente ouvirmos coisas interessantes e que são novas para nós. Se não as anotamos, arriscamo-nos a perdê-las. Se são coisas para fazer – pode ser uma simples receita culinária nova – será melhor anotarmos pelo menos as quantidades. Mas onde realmente se aprende é mesmo confeccionando a coisa.
Imaginar algo é uma coisa, realizá-lo é outra. Imaginar faz parte do abstracto. Executar tem que ver com o concreto. A vida é frequentemente composta por estas duas vertentes, tal como a fruta tem habitualmente uma casca que removemos antes de encontrarmos o fruto comestível. No abstracto, vemos o fruto completo. Na prática, o trabalho que dá a tirar a casca demove várias pessoas da escolha dessa fruta (estou convencido de que esse é um dos motivos por que a banana, fácil de abrir, é um fruto tão popular).
Esta breve introdução tem que ver com aqueles assuntos que igualmente se compõem de duas partes: uma mais teórica e abstracta, outra mais prática e concreta. O importante é que não deixemos de considerar ambas quando abordamos esses temas e que não nos confinemos a apenas uma parte.
Nimby é um acrónimo inglês que significa "not in my backyard", ou seja em tradução livre, "aqui ao pé de mim, não!" É típico, por exemplo, que quando se fala da necessidade de preservar o ambiente que todos estejamos de acordo. Haverá alguém contra a preservação do ambiente? Ora, o português típico é geralmente retratado na rua com um saco de plástico na mão, quando não são dois ou três. O que fazer a esses plásticos todos? A televisão ensina-nos: a solução está em metê-los no contentor adequado, que possivelmente não estará muito longe da nossa casa. Até aí, tudo bem. E quando o contentor está cheio, onde é ele esvaziado? E onde é destruído ou reciclado o plástico? Terá de ser em qualquer sítio. Assim que se sabe quais são os projectos do governo, de qualquer governo, os munícipes do concelho X, aqueles que concordam – como todos - que o lixo tem de ser tratado, dizem: "Aqui não!" Tenta-se outro local. Em conversações e como contrapartida, o governo adoça a boca da população: construirá um novo centro para idosos ou um novo centro de saúde. Às vezes pega. Mas a reacção lá esteve: em termos abstractos, toda a gente concordava; no concreto, levantaram-se obstáculos: aí o caso muda totalmente de figura.
É assim também frequentemente em tantas outras circunstâncias. Tomemos o tema do racismo. Claro que somos todos "iguais". Brancos, pretos, amarelos, são todos filhos de Deus. Irmãos. Todos merecem ser bem tratados. Igualdade, sim. E se a vossa filha se enamorasse de um rapaz preto, haveria qualquer objecção da vossa parte? Bem, só faltava essa! Não há para aí tanto rapaz branco?! Porquê cair de amores logo com um preto. Já é azar! E depois os filhos? É isso, é isso, o problema são os filhos. Ó Maria, já viste o nosso azar!? Já te imaginaste a ter um neto preto, tu que nunca sequer foste a África?
No entanto, pai e mãe declaravam que não eram racistas. No abstracto.
Acha bem que o Estado possa dispor automaticamente dos nossos órgãos em caso de morte? Não? A sua negativa deve-se ao facto de respeitarmos Deus e irmos para debaixo da terra como Ele cá nos pôs? Tem alguma lógica essa posição. E os seus vizinhos também concordam? Já agora, imagine a situação de uma doença sua ou de um acidente grave em que você precisa urgentemente de um órgão para substituir o seu que ficou gravemente danificado. Se esse órgão não existir, você morrerá. Se existir, graças à lei promulgada pelo Estado, você sobreviverá. Já considera agora que talvez fosse uma boa ideia que um órgão do seu corpo sem vida pudesse ajudar outra pessoa? Afinal, quem morre não precisa mais de determinado órgão vital. Já concorda mais? Pois é, existe uma diferença entre a abstracção e a realidade concreta.
Daí que ao processo de pensamento abstracto devamos esforçar-nos por juntar o concreto, nomeadamente quando nos toca directamente a nós. Se está a discutir um ataque ao Irão ou ao Iraque, imagine-o logo na vertente de ataque ao seu próprio país. Só assim será mais concreta a sua reacção, que possivelmente passará de fria ou morna no caso de outros países e ficará a ferver se for o seu país que estiver em questão. É o nimby ampliado a outra escala. Curiosamente, se o fizermos veremos que as nossas reacções em diversos estádios territoriais de pensamento – mundo, continente, país, cidade, bairro, rua, casa – passam a ser mais moderadas, menos extremistas. Afinal, tudo é relativo.
Neste sentido, creio que os governantes, os empresários e, de uma maneira geral, todos os que têm poder e dão ordens deveriam fazer sempre a pergunta a si próprios: e se fosse comigo? Seria humildade a mais da parte deles? Mas não é a humildade algo essencial para se ser solidário? E não é a solidariedade um valor a defender? Se não somos solidários com os outros, como podemos esperar que eles sejam um dia solidários connosco?
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