9/21/2009

Discordar não é mau. Pelo contrário!

Há dias, alguém que prezo como amigo, inteligente e culto, enviava-me por e-mail uma resposta a um comentário meu e admitia que tinha demorado algum tempo a remoer o que havia de escrever. Sentia que havia algumas discordâncias de fundo entre a sua forma de ver aquele tema e a minha. Entendi a questão, mas disse de mim para mim: que importância tem que haja discrepâncias entre a forma de pensar de uma pessoa e a de outra? Não é isso natural? A única coisa não recomendável entre amigos são os ataques ad hominem – tipo "És estúpido, ou quê?" ou então "É assim porque sim!".
Todavia, estas situações apoquentam muitas pessoas, que fogem às vezes de ter conversas sobre assuntos mais interessantes, com o óbvio receio de criarem conflitos. Por assim dizer, tentam abordar esses temas só com aqueles que, sabem-no antecipadamente, comungam das mesmas ideias e são concordantes com as suas observações. (Admito que com indivíduos coléricos, que reagem impulsivamente a tudo o que os contrarie, é melhor não discutir assuntos mais sérios e ficar-se pelas anedotas, pelo futebol e pelas viagens. Nunca se sabe onde aquilo vai parar!)
Pelo meu lado, adoro discutir montes de assuntos com pessoas educadas, se possível com experiência e profissão diferentes da minha. Mais: prefiro quem de mim por vezes discorda a quem comigo sempre concorda.
É fácil de entender porquê. Quem de nós discorda apresenta argumentos que, sob outra lógica, podem ser muito válidos. Cada pessoa tem a sua formatação mental, que é o resultado de um caldeamento de aprendizagens, experiências, idade, vitórias, fracassos, reflexões. É, creio eu, essa formatação que vai formar o ângulo sob o qual analisamos as coisas.
Com pessoas de meia-idade, pode essa formatação alterar-se? Certamente, embora ligeiramente e de forma esporádica. Não se espere, por exemplo, que alguém mais de esquerda comece de súbito a ver tudo sob uma óptica de direita, ou vice-versa. Mesmo assim, a excepção pode surgir quando alguém perde todos os seus haveres, perde injustamente o emprego que julgava para a vida, é forçado a emigrar para outro país em busca de sustento. Aí é comum que nele se instale um amargo sentimento de revolta, que pode provocar o que coloquialmente denominamos de "reviravolta". Todos nós conhcemos casos destes. Mas estas são as excepções.
No geral, a formatação ou sofre alguns abalos e ligeiras alterações, ou cristaliza. Esta cristalização é por regra o resultado de uma posição de intolerância, da qual surge a rejeição pronta de ideias novas, porventura contrárias.
Compreende-se que, à medida que os anos avançam, exista nas pessoas uma maior propensão para a cristalização. E não apenas porque a mente estará menos maleável, mas fundamentalmente porque mudar radicalmente seria negar o posicionamento de toda uma vida passada, que foi vivida sob uma orientação mental diversa. Quem está disposto a auto-mutilar-se mentalmente desta forma?
E, contudo, é muitas vezes um prazer receber soluções alternativas para problemas antigos sob uma nova óptica. É algo que implica uma ampliação do nosso campo de pensamento. Se bem que possamos não aderir a esse novo posicionamento proposto, a proposição per se obrigou-nos a reflectir sobre a nossa própria natureza e consequente formatação mental. Isso é bom. É fazer a”revisão da matéria dada” sobre determinado assunto, vendo-o com outros olhos. Estaremos a crescer mentalmente, apesar de fisicamente já termos parado de o fazer há muitos anos.
É por estas e por outras que prefiro quem de mim por vezes discorde a quem comigo sempre concorde.

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