O verdadeiro choque causado pelo abaixamento de salários e pensões com que os portugueses se irão defrontar, com cortes nos serviços sociais, aumento de impostos, maiores facilidades nos despedimentos e sabe-se mais lá o quê, ainda não chegou propriamente – pelo menos em toda a linha. Porém, pressente-se que o povo já se sente revoltado e humilhado. Uma vez que, aparentemente, não somos capazes de nos governar através dos políticos que elegemos, os donos da moeda em cujo barco entrámos há uns anos ditam-nos agora as suas leis.
Bem ou mal, a situação traz-me à memória a táctica usada por uma conhecida cadeia de supermercados (é possível que outras utilizem o mesmo processo). Ao que uma pessoa ligada ao meio me contou já há tempos, quando essa cadeia necessita de um produto novo para o qual existem vários fornecedores, convoca esses fornecedores para uma reunião. Sentados à volta de uma mesa, os fornecedores ou os seus representantes são convidados a discutir entre si, à porta fechada e sem mais ninguém presente, as suas condições. O objectivo é o de apurar quem oferece as melhores condições de preço. Assim que chegam a uma conclusão, chamam o representante da cadeia, que ouvirá essa proposta e levantará depois algumas questões sobre as garantias de abastecimento e eventualmente outros pormenores. Se ficar satisfeito com as condições apresentadas, o representante da cadeia de supermercados convidará posteriormente o fornecedor escolhido para que ambas as partes firmem o respectivo contrato.
Quando ouvi contar esta história por alguém que tinha tido um representante seu presente numa dessas reuniões, pensei para comigo que, entre outras coisas, era degradante para os fornecedores terem de abrir o seu jogo perante a concorrência. Contudo, era assim. Dado que os contratos com cadeias de distribuição podem assegurar volumes de vendas que de outra forma são praticamente inatingíveis, os supermercados ditam as leis. Quem não estiver interessado sai da corrida. As regras são impostas por eles.
É evidente que o caso existente entre Portugal e a União Europeia é muito mais complexo, mas inclui alguns laivos da negociação acima apresentada. Com o cinto não exactamente colocado à volta do seu lugar habitual, que é a cintura, mas sim bastante mais acima - à volta do pescoço -, o país recebe a informação de que o vultoso empréstimo de que carece só será efectivamente concretizado se os vários partidos políticos se reunirem e chegarem a uma plataforma de entendimento quanto à aceitação dos requisitos que enformam o empréstimo.
Parece haver ocasiões em que o famoso TINA norte-americano (formado com as iniciais de there is no alternative) soa como real. Seja como for, a situação resulta pela sua faceta ditatorial na humilhação de todo um regime democrático. Fazer igualar em aspectos cruciais partidos ideologicamente diferentes – hão-de sobejar depois para cada um deles palavras de diferença e pormenores com relativamente pouca relevância – representa em grande parte o desaparecimento da única arma que o povo ainda possui: o voto consciente e diferenciado. É a capitulação, como sucede no final de uma guerra perdida. Dificilmente poderíamos ter de enfrentar uma situação mais real e mais triste.
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