No passado mês de Janeiro, na Tunísia, um pobre vendedor ambulante que procurava vender os seus produtos na rua foi de tal maneira molestado pelas autoridades que, desesperado, não resistiu. À vista de outras pessoas, imolou-se pelo fogo. A terrível cena teve o condão de ser propagada por todo a Tunísia e fez acordar o país para a prepotência das autoridades, para a injustiça social e as enormes desigualdades existentes, nomeadamente entre a família governante mais os seus corruptos amigos e a esmagadora maioria da população. Por assim dizer, o fogo que imolou o vendedor ambulante incendiou os ânimos em todo o país. Formaram-se espontaneamente grandes grupos de jovens protestando contra as poucas saídas que viam para o seu futuro, apesar de muitos deles serem a camada mais instruída do país. Daí até ao derrube do governo foi um passo. Depois, como todos sabemos, a "primavera norte-africana" estendeu-se ao Egipto, onde Mubarak teve o mesmo destino do tunisino Ben Ali. Do Egipto passou à Líbia, e a insurreição já reina no Iémen e na Síria. Tudo teve como origem a imolação do vendedor ambulante, que naturalmente não viveu para testemunhar o reboliço e as enormes transformações que o seu acto acabou por causar.
Anteontem, em França, perto de Bordéus, um trabalhador da France Telecom casado, com quatro filhos, 57 anos de idade e mais de metade da sua vida dedicada à empresa – mais de 30 anos -, não resistiu às sucessivas mudanças de posto que, inclusivamente, o forçaram a vender a sua própria casa. Ao chegar de manhã ao trabalho, imolou-se pelo fogo junto ao parque de estacionamento da France Telecom.
Não é a primeira vez que esta empresa é badalada por casos semelhantes. Entre 2008 e 2009, números oficiais acordados entre a Administração e os dirigentes sindicais referem um total de 35 trabalhadores que se suicidaram. Como a France Telecom tem um total de 100 mil trabalhadores, um comentário da Administração salientou que o número de suicídios não lhes parecia excessivo. A pressão da opinião pública fez, porém, com que, em 2009, o vice-Presidente da companhia apresentasse a sua demissão.
Este é mais um caso típico da mobilidade que é imposta aos trabalhadores e das consequências que essa mobilidade pode causar. No caso em questão, este empregado terá escrito várias vezes à Administração a expor o seu caso, mas nunca obteve qualquer resposta.
Cada vez mais, sente-se, os empregados contam não como pessoas mas como mais uma mera forma de capital: são "capital humano", alternativamente designados como "recursos humanos". O que conta basicamente para empresas deste quilate – e há muitas por esse mundo fora, como a globalização não se cansa de nos revelar – é a definição de objectivos e, posteriormente, o cumprimento desses mesmos objectivos por parte dos trabalhadores. Com que finalidade? A de garantir que a distribuição dos dividendos pelos accionistas será generosa, ou então que o valor de cada acção sofrerá um aumento substancial. Conceitos aparentemente abstractos como mobilidade e flexibilidade têm muito que se lhes diga em termos de prejuízo físico e mental para muitos trabalhadores.
Entretanto, o que ocorreu no parque de estacionamento de Merignac, nos arredores de Bordéus, não ocupou mais do que meia coluna de uma discreta página interior do jornal que regularmente leio. O caso da Tunísia foi, naturalmente, trazido para a primeira página.
Que conclusões podemos colher?
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