Confesso que me sinto desorientado relativamente ao meu país. Em certo sentido, envergonhado e desorgulhoso. Estarei possivelmente em boa companhia, mas isso não é algo que me traga qualquer consolo. Paira no ar uma terrível sensação de desconforto. E de desconfiança. Na generalidade, os portugueses nunca confiaram suficientemente uns nos outros para trabalharem em equipa. Com algumas excepções, só o fazem quando se encontram em sérios embaraços ou quando concluem que o esforço de um só não chega e é preciso unir a classe. O problema é que a sua "classe" não é o país, mas sim as corporações, v.g. médicos, advogados, economistas, contabilistas, engenheiros, professores, enfermeiros, etc. e as respectivas ordens ou sindicatos. Com que objectivos? Os de garantirem maiores benesses para si próprios.
Daqui resulta uma enorme fragmentação de interesses, que raramente coincidem. Por outro lado, o facto de os portugueses gostarem de se autoflagelar – um pouco como as letras de muitos dos nossos fados expressam – acaba por não ser positivo. Torna-se mesmo negativo. Quem se lastima, olha mais para si do que para os outros, tem horizontes pouco abrangentes e dificilmente nota que isso diminui a sua produtividade. Fernando Pessoa foi perspicaz quando notou que um povo ou um indivíduo que pensa sistematicamente mal de si próprio acaba por tornar-se naquilo que pensa. Inteligente como sempre, este Pessoa.
De passagem na Polónia, tive uma vez ocasião de falar com vários residentes de Varsóvia. De entre alguns pontos de interesse, colhi uma ideia que me pareceu muito correcta e que se poderia aplicar também a Portugal, talvez por ambos os países terem uma forte cultura católica ou por outro motivo qualquer: "onde há dois polacos, há três opiniões". Achei certeiro o pensamento. Ora, deste incessante opinar resulta alguma discórdia demasiado prolongada, um uso e abuso de palavras e, principalmente, uma prática de não-acção.
Com o 25 de Abril de 1974, a democracia abriu as goelas aos portugueses, que até então tinham sido a nação do não-conflito: o longo regime salazarista tinha feito o possível por abafar as discussões e as zangas, e banir ou sanar à nascença eventuais conflitos; permitia, isso sim, opiniões diferentes sobre futebol. Não admira que, de tão refreado que esteve durante várias décadas, o país se tenha conflitualizado terrivelmente após o 25 de Abril. Sem a censura, embora com um certo controlo económico, e com uma overdose de informação que jornais, revistas, rádio, televisão e computadores lhe proporcionam, o português passou a opinar sobre quase tudo (como eu próprio reconhecidamente faço neste blog). Daqui resulta um país dividido e pouco unido, sabendo mais o que não quer do que tendo ideias próprias sobre projectos com pernas para andar. E por projectos viáveis entendo eu – outros terão opinião diversa - não uma maior liberdade mas sim uma disciplina mais rigorosa; uma união no trabalho, mais do que uma facilitista união no descanso; uma justiça eficaz, essencial num estado de direito e não corrompível pelos interesses das classes a que acima aludo; um reconhecimento efectivo das desigualdades claramente excessivas existentes entre ricos e pobres que leve a uma melhor distribuição da riqueza e a um índice de felicidade mais elevado.
A conservadora inglesa Margaret Thatcher terá dito que o socialismo dura até se acabar o dinheiro dos outros. A frase, que conterá algo de verdadeiro, traz-me à memória o que um velho amigo meu, já falecido, costumava dizer: " a direita sabe fazer dinheiro, mas não sabe distribuí-lo; a esquerda sabe distribuí-lo, mas não o sabe fazer." O deslumbramento com dinheiro aparentemente fácil vindo do exterior – os fundos de Bruxelas e outras coisas tão bruxeliantes como juros a taxas inusitadamente baixas – levaram o país, como todos nós bem sabemos, a gastar muito acima das suas posses. Não foram somente os socialistas, com certeza, pois todos acabaram por ir na mesma onda. Cometeram-se muitos erros. Foi infelizmente um bom exemplo do muito badalado "país pobre com mentalidade de rico".
Presentemente, as ajudas que nos irão chegar são basicamente para garantir que o dinheiro que nos foi emprestado ao país e à banca vai ser devolvido aos nossos credores. E o pior é que deverá ser feito num período de tempo que é exíguo relativamente ao largo número de anos nos quais o regabofe de contas deficitárias já dura.
Por esta razão, não custa prever uma de duas coisas: ou um regime policial muito duro, com sérias restrições à liberdade de manifestação de grupos, ou tumultos de natureza dificilmente controlável. Resta a religiosa esperança de que "oxalá" isto não aconteça.
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