4/04/2011

Gestores de quê?



Admito que tencionava colocar aqui um post sobre um tema diferente deste. Porém, uma reportagem inserida no Público de hoje sobre transportes fez-me adiar o outro assunto. Fiquei banzado!
Há vários anos que o comum cidadão dispõe de alguma informação através dos media sobre os défices que se acumulam no sector dos transportes públicos. Refiro-me a empresas como a Carris, o Metro, a CP, a TAP e a Transtejo. Quando se espera que sejam tomadas medidas drásticas por parte das respectivas administrações para eliminar ou pelo menos reduzir esses défices, eis que tudo fica praticamente na mesma. Assim parece, pelo menos.
Como habitante de Lisboa, costumo dizer que, para além do enorme bem da liberdade de que usufruímos, o passe social foi a grande conquista do 25 de Abril. De facto, o passe é algo utilíssimo na cidade para quem usa um ou vários tipos de transporte. Tenho um Cartão Lisboa Viva que uso quase diariamente e, por vezes, em mais do que duas viagens. Como muita gente, aliás. Há dois ou três meses, quando pedi para me carregarem o cartão por mais 30 dias, a funcionária que fez a operação comentou para mim: "Tem sorte! Ainda não apanha o aumento!" "De quanto vai ser o aumento?", perguntei, crente de que seria suficientemente elevado para me poderem considerar uma pessoa de sorte. Não me recordo já da resposta com exactidão, pelo que hesito entre duas hipóteses: quarenta ou sessenta cêntimos. Foi um destes números. Admitindo o mais elevado, creio que sessenta cêntimos de aumento por mês pode justificar-se em períodos normais, mas quando uma empresa está – ou devia estar – a procurar diminuir o seu défice, é muito pouco. Calculo que haverá leitores que neste momento pensarão: "Para certas pessoas já é muito!" Acredito que isso seja verdade, mas essas "certas pessoas" são claramente minoritárias e uma política de gestão não se pode fazer por baixo. Poder-se-á, quando muito, mediante rigorosa documentação comprovativa, atenuar o preço de alguns passes, mas para todas as outras pessoas o aumento terá de ser mais substancial. Assim, estamos a tratar a doença, que é grave, com meros paninhos quentes.
É óbvio que não advogo subidas tão elevadas que afastem as pessoas do Metro, por exemplo; além disso, também não encaro as receitas dos bilhetes e passes como única panaceia. Tem de necessariamente haver diminuição das despesas. No fundo, acredito que é por não terem sido tomadas medidas atempadamente e por se ter gasto demasiado dinheiro inicialmente sem fazer os necessários cálculos relativamente à sua amortização que se chegou à situação em que estamos.
E que situação é essa? Resumidamente: a dívida total das empresas públicas de transportes supera sete vezes (!!) as suas receitas. Só no curto prazo – entenda-se até ao terceiro trimestre deste ano no caso mais favorável – as empresas transportadoras públicas terão de arranjar forma de pagar dívidas que se vencem no valor de 935 milhões de euros. Cito do estudo feito pelo jornal Público: "Neste momento, as oito empresas públicas de transportes, nas quais também se inclui a TAP, têm uma dívida total de 17.607 milhões de euros – sete vezes mais do que as receitas globais (2.654 milhões).”
Como foi isto possível? Que gestores temos tido para consentirem passivos desta ordem? Que responsabilidade é que cada um deles tem? E, na cúpula, qual o papel dos sucessivos governos, que parece terem vindo a conformar-se com a situação?
Atingiu-se presentemente um ponto de ruptura. Mas até aqui chegarmos quanto de facilitismo não existiu? Quanto de irresponsabilidade? Quantos salários, nomeadamente os mais elevados, não estão acima de uma fasquia aceitável?
Qualquer défice deve necessariamente possuir algo de virtuoso para ser anulado ao fim um determinado período de tempo. É claro que empresas como o Metro e a CP têm um encargo inicial fortíssimo, na medida em que têm de preparar as suas próprias vias e fazer vultosos investimentos em material circulante, mas tudo isso deve ser convenientemente planeado de forma a possibilitar a amortização do investimento ao fim de alguns anos ou então a receber substanciais apoios do Estado. Grosso modo, parece-me ser este mais um caso de mãos largas, algum despesismo gratuito e falta de planeamento rigoroso com várias responsabilidades, incluindo as dos vários ministros das Finanças. Agora gasta-se, depois se verá. Sucede que esse não é princípio nenhum de gestão. Afinal, a experiência mostra que não é possível endireitar a sombra de uma vara torta.

Sem comentários:

Enviar um comentário