Há dias, pelas cinco da tarde, entrei numa igreja do Minho para uma mirada ao interior, que desconhecia. Estava a decorrer um serviço religioso, razão pela qual a porta estava aberta. Não pude deixar de ouvir o velho sacerdote dirigir-se simpaticamente às catorze pessoas -- contei-as -- que ocupavam apenas os bancos da frente do vasto templo. Falava-lhes "deste vale de lágrimas", repetindo várias vezes "Senhor, tende piedade de nós!" Não sou crente. Admiro, no entanto, as pessoas que têm verdadeira fé, as quais naturalmente respeito. No templo de pedra, frio, com altares laterais dedicados a santos sofredores e mártires, não pôde deixar de me ocorrer a imagem do frequente pensamento português "coitadinhos de nós". Lamúria pegada, queixas e mais queixas. Quem se lamuria, não anda contente nem motivado. Produz pouco e com pouca alegria.
Tomar o sofrimento como uma virtude é uma visão que pode considerar-se masoquista. Na generalidade, o português tem-na. Daí que gabar-se do seu sofrimento acabe por ser virtuoso também. Suponho, no entanto, que esta característica não é apenas portuguesa, mas sim das sociedades católicas, de uma maneira geral.
A atitude de comiseração -- o coitadinho, afinal -- conduz à lamúria também na televisão, uma fonte muito importante para nós. São apresentadas com demasiada frequência pessoas que estão descontentes com isto e com aquilo. Nestes últimos tempos, houve uma insistência tremenda com o frio. Pessoas do campo que estão habituadas a temperaturas baixas e que não consideravam a vaga de frio nada de especial foram quase que forçadas a dizer aos repórteres que, sim senhor, "está um frio de rachar", "não há memória de uma coisa assim". É a nossa costela árabe a misturar-se com a judaica: o Muro das Lamentações, as expectativas baixas para que não saiamos frustrados, as palavras a substituir repetidamente os actos.
Mas "é disto que o meu povo gosta", como o Perestrelo adora dizer. Será curioso notar que os cristãos não-católicos veneram a cruz do Cristo, mas não o colocam lá. É um detalhe importante. A imagem de sofrimento constante não ajuda muito. Pelo contrário. Lembra-nos o que Milton nos diz no seu Paradise Lost: Adão e Eva, expulsos do mundo perfeito do paraíso, choraram, mas só ao princípio. Cedo enxugaram as lágrimas: havia um mundo inteiro para construir e uma vida para viver!
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