3/07/2005

A Torre de Babel revisitada

A história bíblica da Torre de Babel inspirou mais de duzentas obras de pintura. O célebre quadro de Pieter Bruegel (1563), presente na colecção do Kunsthistorisches Museum de Viena, talvez seja a ilustração mais frequentemente reproduzida. O episódio bíblico em questão conta-nos que, num vale da rica Mesopotâmia, os descendentes de vários clãs decidiram unir esforços e construir uma torre, com milhares e milhares de tijolos sobrepostos em camadas e unidos por uma poderosa argamassa. A Jeová, que apreciou a união das pessoas para fazerem algo em conjunto, a torre não pareceu, porém, mais do que uma prova da ambição desmedida do homem. Querer chegar ao céu? Com que utilidade? Por pura soberba? Daí ter resolvido descer do seu olímpico assento até ao meio dos homens que se afadigavam a erguer aquela monumental estrutura. E, com um gesto, pôs toda a gente a falar línguas diferentes. A partir daí, biblia dixit, a comunicação entre os construtores perdeu-se, e a torre permaneceu, como as pinturas o ilustram, inacabada para todo o sempre. Assim terão, simbolicamente, nascido as diferentes línguas e as consequentes dificuldades de comunicação entre os homens.
Neste dealbar do milénio, a globalização parece, porém, dar mostras de voltar a criar uma língua comum, sobreposta aos múltiplos idiomas diferentes que se encontram no planeta. Isto não quer dizer união de esforços. Essa será sempre uma outra história.
Segundo um recente artigo da Newsweek, nunca como hoje sucedeu que uma língua fosse falada no mundo por um número maior de pessoas do que o conjunto dos que a utilizam como língua materna. Considerando o inglês a língua-mãe em países como o Reino Unido, os Estados Unidos e a Austrália, verifica-se que só na Ásia o número de indivíduos que se expressam com relativa fluência em inglês -- mais de 350 milhões -- equivale sensivelmente ao total da população daqueles três países. À sua conta, a China possui uma quantidade de estudantes da língua inglesa que ronda os 100 milhões! É claro que falam um inglês sui generis. Consegue-se à légua distinguir um indiano a falar inglês, por exemplo. Ou um chinês. Mas esse é um aspecto secundário, que faz no entanto surgir, com vocábulos e expressões próprias, um "Japlish", um "Hinglish" ou um "Spanglish". Os utilizadores estrangeiros de inglês são hoje três vezes mais do que os nativos de língua inglesa. O que interessa é que as pessoas sejam bilingues. A razão desta loucura de aprendizagem do inglês é basicamente uma: empregos! Melhores empregos. Se há umas décadas eram apenas os diplomatas e os directores executivos de firmas que necessitavam de inglês, hoje em dia essa necessidade aumentou extraordinariamente. A deslocalização de firmas, as comunicações por e-mail, a leitura de instruções em numerosas aplicações informáticas, uma grande fatia da linguagem da Internet, o atendimento de encomendas do estrangeiro, a comunicação com visitantes de outros países, a leitura de livros técnicos, a apresentação de comunicações em seminários e congressos, e um ror de outras coisas, têm levado muitos países a incluir o Inglês no seu 1º ciclo de estudos. Em Portugal iremos em princípio seguir o mesmo rumo.
Será que um dia conseguiremos de facto ter todos os construtores de uma eventual "Torre de Babel" a entenderem-se perfeitamente entre si e a trabalharem em conjunto?

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