5/28/2007

Benfica, Porto, ou Sporting?

Suponho que nunca se fez em Portugal um estudo consistente, baseado em amostras representativas, daquilo que leva rapazes e raparigas, mulheres e homens, a manifestarem uma simpatia especial, que pode ser ferrenha, por um determinado clube. Seja como for, é sempre possível aventar um número de hipóteses. Vou tentar fazê-lo, esperando que alguém forneça acréscimos ou conteste a validade das hipóteses formuladas.
Em primeiro lugar, poderá perguntar-se: porquê mencionar os três clubes acima e não quaisquer outros? (Admito que poderia ter acrescentado o Belenenses, mas a diferença na quantidade de simpatizantes à escala nacional é tão grande que preferi não o fazer.) Se escolhi aquele trio, foi obviamente porque sinto que são os únicos que possuem antenas que cobrem todo o território português.
Historicamente, estes três clubes nasceram à escala das duas maiores cidades portuguesas. Porém, dois deles cedo ganharam uma ampla cobertura nacional, não à custa do futebol mas sim de uma outra modalidade muito mais popular: o ciclismo. O ciclismo, numa época em que os jornais e a rádio eram os principais meios de comunicação, levava as camisolas vermelhas do Benfica (os Nicolaus), e as verde-brancas do Sporting (os Trindades) a Braga, a Vila Real, à Covilhã, a Castelo Branco e a Évora. Havia um enorme entusiasmo popular. As populações deslocavam-se a locais por vezes distantes para ver passar as caravanas ciclistas. Aí, os clubes ganharam muitos adeptos. O Futebol Clube do Porto (o único dos três que usa a palavra "futebol" no seu nome) não se intrometeu na disputa Nicolau-Trindade e com isso concentrou-se mais na sua área citadina e nortenha (por oposição a Lisboa), o que não quer dizer que entretanto não tenha constituído uma boa equipa de ciclismo e também outras de diversíssimas modalidades.
Simultaneamente com a sua acção de polinização à escala territorial através do ciclismo, os clubes grandes começaram a fundar as suas filiais em localidades relativamente pequenas, onde geralmente havia um grupo de carolas com algum dinheiro que conseguiam ter influência suficiente para garantir que o clube da terra fosse considerado filial do Benfica ou do Sporting. Nasce aqui uma combinação interessante, pois através das cores da equipa local, os jovens identificavam-se com as cores do clube padrinho. Esta identificação era, evidentemente, tanto maior quanto mais vitórias somasse o clube de que se era fã. Este aspecto é muito importante, porque as vitórias naturalmente atraem adeptos (band-waggon effect).
De facto, se houve épocas em que o Sporting foi de longe o melhor clube português e apresentou os então célebres cinco violinos que jogavam todos na selecção nacional - hélas, numa altura em que ainda não havia televisão em Portugal -, outras ocorreram em que o domínio total foi do Benfica e, talvez nos últimos vinte anos, do Futebol Clube do Porto. Neste sentido, estou convencido de que Benfica e Porto conquistaram numerosos adeptos em todo o país com as suas extraordinárias vitórias em competições nacionais e internacionais. Neste último domínio, o Sporting não foi tão bem sucedido.
Então, perguntar-se-á, e a família não tem influência na determinação das simpatias clubistas? É evidente que sim. Tradicionalmente, a mãe abstém-se destas coisas (pelo menos, abstinha-se), mas o pai tem, por via de regra, o seu clube, o qual escolheu maioritariamente pelas razões acima apontadas (tradição local, linha familiar, e acompanhamento de vitórias).
Entretanto, algo perfeitamente possível é que a mesma pessoa apoie dois clubes ao mesmo tempo: um à escala nacional, outro a nível local. A maioria dos adeptos de Braga são apoiantes da equipa da sua cidade, mas acima dela está o Benfica. Excepto quando joga contra o Braga. O mesmo sucede com os leirienses relativamente ao Sporting. Aliás, este aspecto pode levar pessoas a usarem determinadas equipas como transversais na sua simpatia. A Académica recebe as preferências de muitos estudantes e ex-estudantes que normalmente torcem pelo Porto, Sporting ou Benfica. Também o Belenenses pode ser visto pelos adeptos lisboetas, aveirenses e, no geral, habitantes da faixa litoral, como uma equipa simpática, cujos jogadores ostentam nas suas camisolas a Cruz de Cristo das caravelas de antanho. Neste sentido, Académica e Belenenses entram no grupo dos clubes empáticos à escala nacional.
E do ponto de vista das classes sociais, existirá alguma diferença? Certamente que não em termos de adeptos: podem encontrar-se ricos e pobres entre os simpatizantes do Porto, Benfica e Sporting. No entanto, a imagem é a de que o Benfica é um clube mais do povo e o Sporting mais de elite, enquanto que o Porto congrega maioritariamente uma cidade de que é o símbolo e o único clube que pode disputar a primazia ao detestado macrocefalismo lisboeta.
Entre os colaboradores deste blogue, sei que o João Ratão é um portista ferrenho, o Sete-Sóis um benfiquista declarado, tal como o António, que já é há muito da nossa família. Por meu lado, sou sportinguista. O meu irmão, mais velho, era adepto do Sporting. Tanto o meu filho como a minha filha são do Sporting, assim como um neto.
Alguém dizia que, se o Papa tivesse nascido na China, teria tido quase cem por cento de probabilidades de ser budista. Acho que é um bom ponto para iniciar uma discussão.

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