5/15/2007

Encontros desencontrados

Praticamente toda a gente já teve os seus encontros inesperados. Por meu lado, tive vários bastante curiosos. Suponho que um dos mais interessantes foi quando, há uns bons anos, estava com a minha mulher à beira-Tejo, junto ao antigo Museu de Arte Popular, onde se realizava anualmente uma grande feira de artesanato. De súbito, vi-o. Ele estava também com a mulher e foi um abraço de nunca mais acabar. "Como estás?" "Tudo bem?". Sim, tudo bem. Mas, após um primeiro momento eufórico, veio um "de onde é que a gente se conhece?" Ele era um indivíduo simpatiquíssimo, mais ou menos da mesma idade que eu, mas isso não ajudou aos nossos esforços. Por mais pontos de contacto que tentássemos, desde o Liceu à Faculdade, de locais de férias a Angola, de viagens ao estrangeiro a empregos, nada resultou. Estivemos nisso, divertidos, um bom quarto de hora, enquanto as senhoras, que essas garantidamente nunca se tinham visto anteriormente, estavam na mais amigável das cavaqueiras quando nós chegámos ao pé delas e confessámos: "Tentámos tudo. Parece que afinal não nos conhecemos!" "Não é possível", disseram-nos elas. "Vocês conhecem-se de certeza!" "Também julgávamos", admitimos, "mas já percorremos este mundo e o outro, e nada! Foi apenas um enganozito, embora não estejamos ainda inteiramente convencidos." Tudo acabou com uma grande risada, como não podia deixar de ser.

Relembro este episódio devido a uma conferência a que ontem assisti na Gulbenkian. Quando entrei, havia bastantes lugares na sala e, propositadamente, sentei-me no extremo de uma fila porque tenho por experiência própria que, às vezes, a seca destas conferências é tão grande que só um lugar daqueles permite uma escapatória airosa. Entretanto, a sala foi-se enchendo e a minha fila também. Como havia um lugar vago a meu lado, um indivíduo já bastante entrado em anos, corpulento e mais ou menos simpático, pediu-me para passar. Ao levantar-me, olhei-lhe para o rosto e fiz o meu scanning: "Donde é que conheço esta cara?" Ele lembrava-me muito o meu amigo Manuel Barata, que, só depois me lembrei, já morreu há uns três ou quatro anos. Entretanto, já estava o bacalhau estendido para o Barata, que afinal era outro indivíduo qualquer. O aperto de mão dele foi firme e efusivo. Mais: não contente com isso, deu-me um abração dos antigos. Naquela altura já eu tinha a certeza de que não conhecia o indivíduo de parte nenhuma. Felizmente, a conferência começou imediatamente. Às duas por três o indivíduo deixou tombar a cabeça e entrou no reino do sono por momentos. Um ronco bravo e destemido, mas curto, que entretanto emitiu, acordou-o. Com a conferência a ser interessante, mas numa língua que ele não dominava, o cansaço voltou a apoderar-se do meu pretenso conhecido. E lá regressou aquele roncozito solitário que, desta vez, mereceu uma ligeira cotovelada da vizinha do outro lado. A conferência foi boa, como disse. Por meu lado, não despeguei os olhos do conferencista, não fosse o meu parceiro colocar-me a pergunta fatal de onde é que nos conhecíamos. Foi por causa disso que não fiquei para o debate. Logo que o "Merci" do orador chegou, bati as merecidas palmas e escapuli-me. Não estava para entrar em mais um daqueles impasses que me são familiares.

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