5/08/2007

O índice de Gini volta à baila

Foi há exactamente três semanas que abordei neste local a desproporção entre os mais ricos e os mais pobres em Portugal, algo que é mensurável através do índice de Gini. O facto de o nosso país ser, de entre os 27 membros da UE, aquele que apresenta números mais elevados não pode deixar de me desgostar como cidadão português.
Agora surgem os montantes auferidos por administradores de várias empresas nacionais que se revelam tão desproporcionados relativamente à apregoada e praticada contenção salarial que não podem deixar de causar um verdadeiro escândalo. Segundo o jornal Público, cada comissão executiva das empresas que são cotadas na Bolsa de Lisboa ganhou, em média, 3,5 milhões de euros em 2005, mais do dobro do que auferia cinco anos antes. E, se se olhar apenas para as 20 empresas do Portugal Stock Index (PSI20), então o aumento ainda é superior: 3,2 vezes.
Lê-se, e pasma-se que, num conhecido grupo empresarial, cada um dos quatro administradores recebeu o montante médio anual de 4,4 milhões de euros. Embora toda a gente saiba aritmética, sempre será bom converter os euros em contos para quem ainda está mais familiarizado com a antiga unidade em quantias desta ordem de grandeza. Trata-se de 880 mil contos, o que, a dividir por 12, perfaz a quantia de 73 mil contos mensais. Considero esta uma remuneração inadmissível numa altura em que se regateiam os aumentos dos salários dos trabalhadores para que os produtos se tornem mais competitivos e em que as empresas pedem insistentemente ao governo para baixar os impostos. Dificilmente se encontram posicionamentos mais hipócritas.
Que existam diferenças entre os pagamentos à administração e à generalidade dos quadros é algo perfeitamente admissível. A responsabilidade dos administradores perante a sociedade no que respeita à condução de negócios e à orientação geral da empresa, a que se juntam os seus conhecimentos de ordem estratégica e em matéria de contactos, justificam decerto uma diferença, mas não tão gritante e em aumento tão descomedido. No aludido período entre 2000 e 2005, enquanto o aumento salarial no total da economia portuguesa foi de 15,7 por cento, a remuneração dos administradores das empresas do PSI20 cresceu mais de 220 por cento!
E, depois, é vê-los a constituírem comissões de ética, onde peroram com sinceridade encenada sobre valores e princípios éticos, defendendo-os como os únicos possíveis para o trilhar sustentável de qualquer boa empresa. Parafraseando o que Rui Tavares lembrava há dias, os lemas adoptados por nações, empresas e pessoas não costumam revelar aquilo que as caracteriza, mas sim aquilo de que mais precisam.
(O assunto daria pano para mangas, mas as dimensões de um texto para blog devem ser reduzidas. O resto fica para os comentários.)

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