5/23/2007

Estes topónimos! (II)

Na semana passada, coloquei aqui um pequeno texto sobre toponímia portuguesa ("Por esses rios acima"). Como nele refiro, tenho ultimamente estudado algo sobre o assunto e, devo confessar abertamente, vejo-me frequentemente confrontado com a minha ignorância quase total relativamente a determinados pontos. O trabalho em si vai resultar algo chato, mas há, entretanto, alguns apontamentos mais interessantes que podem dar para este post e, possivelmente, ainda para outro pequeno texto. É uma ameaça, eu sei, mas é também uma partilha, um dos lemas do nosso blog.
Admito que nunca tinha pensado que os suevos, alanos, vândalos, ostrogodos e visigodos eram todos eles de línguas germânicas. Hoje seriam alemães, austríacos, húngaros, eu sei lá o quê!. Ora, se um Ataúlfo foi rei dos visigodos, como se poderá estranhar que esse nome, já devidamente transformado com a erosão do tempo, apareça no norte? Olhamos para uma povoação, vemo-la localizada no concelho de Vila Real com o nome de Adoufe (anteriormente Adaúfe) e ficamos a pensar no que aquilo quererá dizer. Depois entendemos que tudo terá começado com um indivíduo abastado, de nome Ataúlfo e de língua germânica, que teve uma vasta propriedade agrícola, uma "villa", que depois com os tempos se foi parcelando e povoando com agricultores. Aí, já a "villa" passou a "aldeia" que, com alguma surpresa minha, é um termo arábico (ad-daia). Temos ali todo o fluir do tempo, pessoas como nós a viverem a sua vida e o seu mundo, e a deixarem as suas marcas até aos dias de hoje.
Encontro um rei dos visigodos chamado Turismundo e um monarca suevo de nome Requimundo. Como posso ficar admirado se, depois, me aparecem terras no norte com nomes aparentemente complicados, como Freamunde, Gilmonde, Gemunde, Amonde, Mondim, a linda barragem de Salamonde, que afinal não são mais do que a marca germânica dos turistas invasores?
Entra-se noutra linha e nota-se a importância das viúvas em nomes como Porcalhota e Bacalhoa. A primeira enviuvou do seu Vasco Porcalho, proprietário que viveu no século XIV e possuía uma grande quinta; a segunda enterrou o seu Manuel Bacalhau, proprietário de um bonito palacete e largos terrenos. Daqui resultou, no primeiro caso, a localidade que foi denominada durante muitos anos Porcalhota, até que a população pediu oficialmente para que mudassem o registo e tudo passou para a designação de Amadora, mais suave. No segundo caso, tivemos, como é evidente, a Quinta da Bacalhoa, em Azeitão. Até lembra um pouco outra mulher que herdou, famosamente, o nome do seu defunto marido. Ele era o Giocondo.
Mas admita-se que existiram boas razões para as mudanças oficiais de nomes de outras localidades. Imagine-se que havia no concelho da Guarda uma aldeia que ostentava, com pouco orgulho, diga-se, o nome de Porco. Este porco era, naturalmente, o antigo porco-bravo que abundava por aquelas paragens. Pois, sim, mas como se chamam os habitantes de uma aldeia que tem o nome de Porco? Hoje a mesma terra chama-se Aldeia Viçosa.
Outra povoação que tinha razões de queixa era uma situada perto do Tejo. Oficialmente, chamava-se Punhete. A população a certa altura reuniu-se e decidiu recusar o nome. As instâncias oficiais aceitaram e hoje a linda vila chama-se Constância.
Para terminar este texto necessariamente curto, bloguesse oblige, mais um breve apontamento toponímico, este aprendido no passado domingo durante uma interessante visita ao Jardim Tropical (Belém) conduzida pelo Prof. Fernando Catarino. Fiquei aí a saber que, em tempos antigos, muitos terrenos entre Pedrouços e o Jamor (Cruz Quebrada) eram alagadiços. Por esse motivo, foram aproveitados para plantações que rendessem algum dinheiro. Pensei em arroz. Qual quê! Eram plantações de linho. Ora, esse linho precisava naturalmente de ser tratado antes de poder ser utilizado. Era batido com espadelas de madeira e, perto da zona de Belém, havia várias oficinas onde a planta tinha que passar por chapas com dentes de ferro, para que a estopa e a sua parte lenhosa e áspera (tomento) fossem retiradas. Este aparelho para o tratamento do linho, e o próprio tratamento, chamavam-se "rastelo". Começamos assim a entender melhor a razão do nome do estádio do Belenenses e por que motivo a melhor linhagem de Lisboa escolheu o bairro do Restelo para morar.

Sem comentários:

Enviar um comentário