6/11/2007

Cavaco escavaca

Não é com o intuito de fazer trocadilhos, que são fáceis, que se diz que o Presidente, que durante meses e meses não deu cavaco, resolveu ultimamente lançar os primeiros cavacos para a fogueira do governo. "Trata-se de manobra de distanciamento de um político que não quer ficar associado a maus resultados governamentais e, principalmente, a medidas impopulares", dirão alguns. "É a concordância com a base de apoio que o elegeu", dirão outros. "Um certo populismo para poder sorrir para dentro quando membros do governo a seu lado são assobiados e ele é aplaudido", dirão uns terceiros.
Seja o que for, Cavaco mudou a sua táctica nas últimas semanas. Continua vago e indefinido, professor de professores como gosta de se ver, e formulando desejos que todos gostariam de ver concretizados mas que a realidade não permite. Ora, é essa realidade que o presidente não quer admitir.
Longe de mim fazer a apologia de Sócrates, que no entanto tem mostrado mais aspectos positivos do que negativos. Temos que nos lembrar que foram dois primeiro-ministros re-eleitos, Cavaco e Guterres, que acabaram por ser responsáveis por grande parte do descalabro das contas públicas nacionais. Sócrates propôs-se endireitá-las e, pela primeira vez, houve alguém que conseguiu bater o pé ao obreiro, mas despesista, Jardim. A reforma da Segurança Social está em marcha, o défice tem baixado, têm sido introduzidas reformas controversas na educação destinadas a aumentar a produtividade e a combater um facilitismo que raiava o escandaloso. É também verdade que têm sido cometidas algumas injustiças graves e que, como um amigo meu refere, Sócrates lembra um Putin à la portugaise. Mas este é, afinal, o problema de ir ao talho comprar carne e termos de pagar pelo osso quando só estamos verdadeiramente interessados na vianda.
Cavaco tem falado, sempre em meias-palavras e tom doutoral, sobre a Segurança Social, o desemprego, a demografia, a pobreza, o novo aeroporto, o emprego dos jovens, a educação, a saúde, e agora sobre os sinais de retoma económica que, nas suas palavras, são fracos. Ora, o Presidente sabe muito bem que Portugal, apesar dos fartos proventos de Bruxelas, foi um dos países da União mais afectados pela globalização, a qual levou à entrada nos nossos mercados externos de produtos a preços baixíssimos, com os quais é impossível competir devido a condições que são à partida bem diversas. Cavaco sabe também que o preço do petróleo praticamente triplicou desde que ele foi primeiro-ministro, pelo que a nossa balança comercial fica naturalmente afectada. Cavaco sabe que agora não é com um estalido de dedos que se aumentam as exportações portuguesas através de preços mais baixos - Portugal já não tem a sua moeda nacional própria que lhe permita baixar os preços artificialmente através de desvalorizações. Cavaco sabe que o endividamento das famílias portuguesas está em estreita correlação com os lucros bancários, que são fabulosos. Sabe, ainda, que Roma e Pavia não se fizeram num dia e, se fosse totalmente honesto nas suas palavras, não esqueceria de referir que os problemas da educação, que são de facto cruciais, não foram melhorados nos seus dois mandatos. Muito pelo contrário, agravaram-se: aumentou a quantidade, não melhorou a qualidade.
Por tudo isto, deve entender-se que o Governo não pode contar mais com o apoio e até os elogios de Cavaco. Porém, se virmos bem, existe congruência na atitude presidencial e respeito pela base que o elegeu. Esperemos, atentos, o desenrolar dos próximos episódios.

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