6/23/2007

Confiança e Desconfiança

A confiança, tanto em nós próprios como nos outros, é um bom sintoma. É sintoma de uma sociedade predominantemente sã, na qual prevalece o respeito mútuo. Quem confia nas suas próprias capacidades produz mais e entra menos em quezílias com os outros.
Quem é desconfiado esconde, por baixo da sua desconfiança e aparente humildade, um desejo de ser maior do que aquilo que na realidade é. A desconfiança espelha, neste sentido, alguma frustração pessoal, que se pode estender à escala nacional. A desconfiança constante produz, em vez de obras, uma crítica permanente que se alimenta de si mesma para manifestar uma aparente superioridade moral dos críticos relativamente aos criticados. É uma forma de os críticos se elevarem aos seus próprios olhos, camuflando afinal a sua inerente mediocridade, e de igualmente se desresponsabilizarem dos assuntos que criticam.
O desconfiado é mais supersticioso do que a pessoa confiante em si mesma. A superstição, a crença numa sorte que o há-de bafejar e que ele pretende atrair para si através de rituais vários, como o jogo, acaba por representar o descontentamento com a sua própria pessoa. O elemento externo da superstição entra como suplemento natural.
A desconfiança, ao pôr tudo em causa, torna-se obviamente negativa, pelo que cria uma atmosfera de pessimismo, a qual leva a sociedade a ser menos feliz e a realizar menos do que poderia para o seu bem-estar e o dos outros. Na realidade, ao desconfiar dos elementos à sua volta, a pessoa sente pouca vontade de trabalhar em grupo, sempre receosa de que os outros a estejam a defraudar de uma forma ou de outra. Daqui resulta frequentemente um esforço individual maior que, por ser algo desgarrado, é inglório e não produz tanto quanto o daqueles outros que colaboram sadiamente uns com os outros.
O facto de as pessoas desconfiadas suspeitarem constantemente das restantes leva-as a equacionar a sua existência com grande regularidade. Têm aqui origem os debates sobre identidade, mesmo à escala nacional, em que as pessoas se esforçam por encontrar elementos positivos que dêem à sociedade em que estão integradas um valor do qual suspeitam mas que gostariam ardentemente de ver confirmado, na medida em que esse declarado valor colectivo lhes vai conferir mérito a si próprias.
O indivíduo desconfiado esconde uma vaidade que transborda com os sucessos de compatriotas seus, nomeadamente quando esses compatriotas são postos em confronto com pessoas de outros países. Aqui, uma visão bairrista, regionalista ou nacionalista, tende a obnubilar essas pessoas de outras vistas mais alargadas, à escala global.
A desconfiança conduz, ainda, a uma desvalorização da realidade actual, preterida pela mitificação de um passado glorioso. Crê-se pouco no presente. Ora, esta descrença é altamente perniciosa para a condução de projectos de equipa e a longo prazo, o que em termos económicos e financeiros se traduz mais no negócio, na oportunidade ocasional, do que no longo projecto empresarial unificador de múltiplas vontades.
Como consequência natural, o secretismo impõe-se à transparência. Este secretismo provoca a tendência para a formação de empreendimentos familiares - estes são os membros da sociedade nos quais em princípio mais se confia - e origina a apetência por parte das elites de formação de famílias não-consaguíneas mas classistas: as agremiações secretas, baseadas em votos de confiança e interajuda mútua. Estas associações, que naturalmente não gostam de ser vistas como secretas embora em grande parte o sejam, criam laços de confiança confessional de que sentem necessitar, dentro das suas vistas mais alargadas. Nelas, v.g. Maçonaria, Opus Dei, só os privilegiados são admitidos. Os votos expressos pelos seus membros são verdadeiros rituais de confiança na instituição e nos seus pares, além de demonstração de confiança em si mesmos.
Por seu turno, o desconfiado teme ser alvo de críticas como aquelas com que costuma mimosear os outros. Daí que tenda a falar pouco sobre os seus próprios trabalhos e acabe, inevitavelmente, por contribuir igualmente pouco para a sociedade em que se insere. O espectro do eventual ridículo apodera-se dele e manieta-o. O fracasso tolhe-o. A existência deste receio da exposição ao ridículo e ao fracasso contribui decisivamente para a falta de sentido empreendedor e para o estabelecimento de um limiar exageradamente baixo da sua noção de risco. Por esse motivo, não arrisca. Para ele, com a sua superstição, jogar não é arriscar. É apenas tentar um conluio com os deuses. Se a constelação lhe for favorável, a sorte sorrir-lhe-á.
Agora, em face do efeito deste panorama à escala nacional, imagine-se como a sua conversão para o lado da confiança mútua, do trabalho em grupo, da partilha de conhecimentos e da solidariedade social poderia ser um factor benéfico e um poderoso motor de desenvolvimento!

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