4/25/2008

Evolução ou involução?


O 25 de Abril que hoje se comemora determinou que Portugal seria um país livre e, politicamente, uma república parlamentar. "Para lamentar" começou-se logo a ouvir, pouco tempo depois, por parte da reacção. Mas à reacção contrapôs-se a vontade real da nação de mudar as coisas. Assim, as primeiras assembleias da República estiveram cheias de homens-bons (o que inclui mulheres, relativamente às quais não quero, por óbvias razões, usar o mesmo qualificativo no feminino). Era, no geral, um conjunto de mentes activas e generosas aquele que encheu S. Bento nas primeiras vezadas. Homens e mulheres de carácter e de convicções, que por estas se batiam na liberdade que o 25 de Abril lhes concedera. Lembro-me de pessoas como Mário Soares, Álvaro Cunhal, Freitas do Amaral, Salgado Zenha, Manuel Alegre, o meu bom amigo Henrique Barrilaro Ruas, Natália Correia, Raúl Rego e Maria de Lurdes Pintasilgo. E muitos outros que sobressaíam no debate ideológico. Trinta e quatro anos passados, vemos que houve indubitavelmente significativas alterações na sociedade portuguesa, muito mais aberta ao estrangeiro do que outrora, com cérebros brilhantes a destacar-se em vários domínios.
No domínio político, porém, vejo antes uma involução. Gradualmente, as vozes isoladas, auto-responsáveis e perfeitamente identificáveis foram sendo substituídas pelos carreiristas políticos, que depressa criaram para si próprios regalias, benesses, privilégios, mordomias. Mencionando apenas uma, cada ano de deputado passaria a contar como dois para efeitos de reforma - à semelhança do que se passara com as tropas intervenientes nas campanhas da guerra colonial. Porém, enquanto só os elementos que tinham estado nas zonas de intervenção armada tinham tido direito a essa benesse, no caso dos deputados não havia distinção. Mesmo os que mal abrissem o bico aufeririam do mesmo privilégio.
Em breve os deputados passaram a ser, na sua maioria, membros dos órgãos dos partidos, fechando a porta a todo o movimento cívico que pretendesse intrometer-se com elementos seus. O domínio partidário calou vozes discordantes no seu seio, sob pena de estas terem que abandonar o parlamento para o qual tinham sido eleitas pelo voto popular. A liberdade parlamentar passou a ser fundamentalmente partidária e já não individual. A escola de formação dos partidos aumentou o seu número de alunos, abnegados, disciplinados, fiéis. Ansiosos por obterem os créditos que lhes permitissem receber não o tradicional canudo, mas sim o mais desejado lugar na Assembleia onde pudessem finalmente assentar o seu traseiro. Infelizmente para nós, civis amantes da liberdade individual, o funcionalismo partidário passou a ser a regra, com algumas naturais excepções.
O parlamentarismo perdeu há muito o seu cachet inicial. Continua com algumas benesses próprias, embora outras já tenham sido cerceadas. A Assembleia mantém-se como o único lugar que, em princípio, pode dar acesso à Champions, ao parlamento europeu, lá fora, com outros mundos, outros vencimentos e mordomias de viagens. De todo este conjunto resulta um cravo do 25 de Abril naturalmente algo mais murcho do que o original (foto). Regaram-no mal, foi o que foi. Tanto cimentaram os antigos jardins de canteiros floridos que hoje temos falta de bons jardineiros.

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