Como, admittedly, não sou especialista em coisa nenhuma, hesito muitas vezes abordar neste blogue determinadas questões que são nebulosas para mim. Penso, no entanto, que no etéreo espaço em que os textos vogam poderá eventualmente surgir, por um altamente improvável acaso - os acasos nunca são prováveis, ou então não seriam acasos - , um especialista ou alguém com mais conhecimentos do que eu, que me esclareça. Aí decido-me a avançar. É algo que já tem sucedido múltiplas vezes.
Esta "questão de contas" está em stock há talvez uns dez dias. Foi, de facto, há pouco mais de uma semana que fiquei surpreendido ao ouvir falar de fundos públicos em regime off-shore. Dada a natureza de fuga ao fisco da maioria das organizações financeiras que actuam off-shore, não pude deixar de estranhar que dinheiros do Estado português andassem por essas vias. Esperei ler mais sobre o assunto, mas parece que alguém decidiu colocar um penedo sobre o tema. Sabemos agora pelo Ministério das Finanças que (possivelmente entre várias outras aplicações financeiras do Estado) o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social possui aplicações off-shore da ordem dos 42 milhões de euros (cerca de oito milhões e meio de contos). Seria difícil haver ironia maior neste caso. Logo o Fundo de Estabilização (!) Financeira da Segurança (!) Social!
Quando a polícia judiciária de um país procura saber informações sobre determinadas contas colocadas off-shore, depara com um tal emaranhado labiríntico de linhas, produto de uma bem urdida engenharia financeira, que não raramente sai com as mãos a abanar. O cruzamento de depósitos e investimentos serve exactamente para baralhar os eventuais investigadores e criar uma firewall na qual o fisco não logre entrar. Assim se consegue o "mais absoluto sigilo".
Curiosamente, esta história do mais absoluto sigilo lembra as inúmeras vivendas que se encontram protegidas dos olhares exteriores por uma vedação metálica, geralmente verde natureza, que lhes dá um certo ar de bunker. As vivendas em questão ficam, de facto, protegidas dos mirones exteriores; porém, se alguém consegue passar a vedação pela calada da noite - ou mesmo durante o dia -, esse alguém pode passar a actuar com segurança, porque ele também está protegido dos olhares de quem passa no exterior (câmaras de vigilância eliminam-se com relativa facilidade). Por analogia, se voltarmos aos depósitos ou investimentos feitos off-shore, isto significa que a firewall que protege do fisco também protege os gestores do dinheiro alheio.
Na presente crise do subprime, que contagiosamente passou a vários fundos de risco e tem causado a enorme mossa no sistema financeiro que se conhece (?), "estabilização" e "segurança" são palavras que fazem pelo menos sorrir. Como é mesmo no caso português? Colocar a estabilização da segurança num sistema volátil é algo de uma enorme incongruência! Recordemos os hedge funds! A certa altura, pode naturalmente suceder ao Estado o mesmo que tem acontecido aos bancos: ter vultosos activos contabilísticos que só valem no papel. Seria bom que este caso fosse esclarecido – e de forma transparente. Será pedir muito? Pelo andar da carruagem, é.
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