4/07/2008

O cuspinho

Foi só aos doze anos, quando entrei no velho Passos Manuel, que soube o que era o cuspinho na cara. Até aí, fosse na instrução primária tirada na província ou nos dois primeiros anos do liceu numa escola particular, essa era uma prática que me era completamente desconhecida. No Passos Manuel, porém, era geralmente num dos intervalos das aulas que um indivíduo maior ou mais zaragateiro do que aquele que era provocado, se acercava da vítima e, usando a mesma desrazão do lobo para com o cordeiro, pespegava-lhe na face um pouco da sua saliva. Tirada ali, ostensivamente. Estava dado o mote. O que se seguia dependia muito das circunstâncias. Se o provocado esquecia a maior estatura do provocador era capaz de lhe responder com uma canelada bem forte e fugia logo de seguida, confiando entretanto na protecção que os seus amigos lhe dariam. À correspondente perseguição e apanha seguia-se um engalfinhamento, que às vezes terminava no gabinete do director. Se bem me lembro, porém, na maioria das vezes nada se passava. O rapaz provocado limpava a cara com o lenço - naquela altura toda a gente usava lenços de pano e não de papel -, baixava a cabeça e, vermelho misto de vergonha e raiva, afastava-se de mansinho, à espera do toque salvador da sineta para a aula seguinte.
Hoje, incidentes deste tipo seriam denominados de bullying e ganhariam possivelmente novos contornos. Mas não é de escolas que eu venho aqui falar. É de provocações sim, mas feitas por cristãos a muçulmanos. Pelo menos, é assim que as vejo. Na Holanda, há um político nada amigo do Islão, que está nesta altura a promover um filme que, como ele diz, irá provar que "a ideologia islâmica é atrasada e perigosa". Na vizinha Dinamarca, após a prisão de um homem que alegadamente se propunha matar o célebre caricaturista do Profeta Maomé, um jornal voltou a publicar uma das caricaturas que tanto brado deram. Contudo, possivelmente o caso mais badalado - em Portugal não li nada sobre o assunto - foi o facto de o próprio Papa ter decidido baptizar um jornalista egípcio, famoso pelos seus livros contra o islamismo, o qual ele acusa de ser um religião de terror. Bento XVI escolheu para dia da conversão desse jornalista ao catolicismo a véspera do Domingo de Páscoa. E onde? Nada mais, nada menos do que na Basílica de S. Pedro, no Vaticano.
Aqui não se trata de cuspinho, como nos casos que acima relato, mas da água benta sempre usada nos baptismos. Em cenário altamente conspícuo. Vamos a ver que efeitos terá. É que nem toda a gente se encolhe, baixa a cabeça e desaparece sorrateiramente...

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