11/12/2008

Dois livros

Recomendar livros nem sempre é fácil pela simples razão de que aquilo de que gostamos não é necessariamente aquilo de que outros gostam. Não é só a forma de escrita que está em questão, mas também a temática abordada. De qualquer modo, dentro do sentimento de partilha que me anima neste blogue, gostaria de deixar aqui duas breves referências a livros que ultimamente li e que me parecem merecer alguma atenção.
O primeiro intitula-se Verdade, Humildade & Solidariedade, tem a autoria de João Ermida e foi publicado pela editora Livros d’Hoje. O autor é um portuense que, com um curso incompleto de Economia da Universidade Católica, iniciou aos 22 anos a sua actividade profissional como corretor de Bolsa, ingressou depois no departamento de mercado de capitais do Citibank e aos 28 passou a fazer parte dos quadros do grupo Santander no qual, primeiro no nosso país, depois no Brasil e, por fim, em Madrid, passou a ter a seu cargo a responsabilidade das áreas de Tesouraria e Mercados Financeiros à escala mundial, com frequentes viagens a toda a América Latina.
Afectado por um intenso stress que resultava não só da enorme responsabilidade de movimentar milhões que poderiam originar tanto ganhos como perdas colossais, mas também da noção de que o sistema se baseava em algo despido dos valores que ele interiormente defendia, aos 38 anos, com um invejável salário, apresentou a sua demissão. Depois, ou tomava montes de drogas ou escrevia um livro a revelar o que o tinha atormentado. Escolheu escrever o livro. Um parágrafo ao acaso: "No mundo de hoje dos negócios, a verdade foi perdendo interesse. É mais importante fazer promessas que nunca serão cumpridas do que tentar vender a realidade em que se vive. Esta situação leva a que empregados sejam postos em situações de total insegurança no seu trabalho, graças aos enormes objectivos que lhes são impostos, os quais só por sorte serão cumpridos."
Do ponto de vista da escrita, o livro carece de alguma afinação, mas vale pela verdade do seu conteúdo. A coincidência com o desencadear da crise financeira empresta-lhe uma particular actualidade.
O segundo livro que gostaria de recomendar é A Viagem do Elefante. Ainda bem que Saramago sobreviveu à grave doença que o atirou para a cama de um hospital quando ia apenas na página 40 desta sua historieta. Toda a ironia e humor de Saramago aparecem aqui a propósito de um elefante indiano que estava em Belém havia dois anos com o seu respectivo cornaca e que acabou por ser oferecido pelo rei português D. João III a seu primo, o arquiduque austríaco Maximiliano. No seu estilo inconfundível, Saramago faz-nos viajar primeiro até Valladolid, onde o arquiduque se encontrava, e depois até Viena. No meio de breves mas incisivas reflexões sobre a lógica, a moral e a filosofia, de um pensamento voante que nos transporta em duas ou três linhas ao futuro que nós conhecemos, de confrontos bem humorados entre a religião cristã e a filosofia indiana, a história do elefante faz-nos viajar no espaço e no tempo com uma notável leveza de escrita e deixa-nos imaginar o prazer e mesmo gozo do autor em ser o condutor dessa atribulada viagem. Vale muito a pena.

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