11/05/2008

Obama, a vitória e o discurso


Admito que me deitei mais tarde do que o habitual, mas sem qualquer esforço e devido a um real interesse no apuramento final dos resultados. A diferença de cinco a seis horas entre o nosso horário e o americano forçou-me a isso. Estas eleições eram mesmo especiais.
E eram especiais depois do enorme desapontamento que constituiu, há quatro anos, a reeleição do pior Presidente americano de que me lembro. Custava-me a acreditar que a cena se repetisse, com outro nome mas com o mesmo partido e política semelhante.
Toda uma geração pensante que foi na sua juventude e mesmo na idade adulta profundamente influenciada pelo cinema, pela literatura e música dos Estados Unidos sentiu-se, com Bush e os seus conselheiros, acerrimamente anti-americana. Era inevitável. Ao espalharem guerra por múltiplos lados do planeta, ao serem mentirosos compulsivos, ao intrometerem-se indevidamente nos assuntos de outros países ao mesmo tempo que recusavam asperamente um comentário sobre o seu próprio comportamento, ao praticarem a tortura e isentarem os seus torturadores de serem julgados em tribunal internacional, ao auto-excluirem-se de assinar acordos ambientais que favoreciam o mundo e ao alardearem valores que depois eles próprios não praticavam, os americanos tornaram-se depressa no povo mais odiado do planeta. A recente crise financeira, que ainda fará muitos estragos na economia mundial, também é algo da sua autoria: mais um produto de valores produzidos do lado avesso.
Obama tinha muito contra si. Não era branco WASP (White Anglo-Saxon Protestant). Aliás, nem sequer era branco. Não provinha de famílias conhecidas, não possuía meios de fortuna. A culminar estas suas carências, era detentor de algo terrível: o seu próprio nome. Este rima com Ossama (de Bin Laden) e, como middle-name, contém Hussein (de Saddam). Barack Hussein Obama poderia eventualmente ser o nome dum chefe de estado muçulmano algures em África ou no Médio Oriente. Mas nos Estados Unidos da América?! E depois do 11 de Setembro de 2001?!
Inacreditavelmente, conseguiu bater a sua grande rival democrata, Hillary Clinton, que tinha a seu favor o facto de ser conhecida mundialmente, de ter mantido a sua família coesa apesar das infidelidades públicas do marido-presidente, de poder vir a ser a primeira mulher a eleger e de possuir a experiência e o know-how que o seu lugar de primeira-dama durante oito anos certamente lhe conferiu.
Uma vez arrebatado o ticket democrata para as eleições, Obama conquistou grande parte do eleitorado, democrata e republicano, através do testemunho vivo da sua própria, esmerada educação de Harvard e da diferença em matéria de inteligência e moderação que a sua hibridez rácica lhe proporcionava. O seu poder oratório lembra o dos grandes tribunos. Não pelo esforço gutural de arrastamento de multidões através da elevação do tom de voz e de frenética gesticulação como tantos líderes fazem, mas antes pela calma e fluidez do seu discurso, que surge como que iluminado. De onde vem toda aquela capacidade retórica?, pergunta-se na assistência. De um invisível teleponto divino?
O discurso final de Obama após a vitória torna-se histórico por vários motivos que todos entendemos. Muitos excertos vão obrigatoriamente ser reproduzidos aqui e ali. Justificadamente. Pessoalmente, não pude deixar de me recordar de dois grandes momentos americanos: o primeiro, inevitavelmente, o de Martin Luther King e o seu famoso “I have a dream”; o segundo, que o antecede cronologicamente (1939), o clássico filme do realizador ítalo-americano Frank Capra Mr Smith Goes to Washington (“Peço a Palavra!”, no seu título português). São dois momentos que estão nas bases mais profundas da cultura americana e do famoso American Dream (que Bush num ápice transformou no American Nightmare).
Todos sabemos por experiência própria que as palavras por si sós não movem o mundo. Mas sabemos também que a par de discursos e comportamentos assassinos, que provocam insegurança e pânico, existem palavras que motivam cada um individualmente e uma nação no seu todo maioritário. Ao afirmar, com voz sentida mas moderada, “Change has come to America!”, Obama não se arvorou, felizmente, como redentor, mas colocou o povo através da sua escolha como obreiro dessa mudança que terá, afinal, de ser concretizada por todos. Foi um posicionamento inteligente e altamente motivador.
Esperemos que as as nuvens negras do pesadelo americano se vão gradualmente dissipando. Precisamos de novos ventos. The answer, my friend, is blowing in the wind…

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