Para explicar o título bastar-me-á naturalmente lembrar que "a era da incerteza", tornada famosa por Galbraith, se tornou tão temível que se transformou numa verdadeira fera. Neste caso, como sucede por vezes quando lemos um livro, não nos é dada a possibilidade de deitar uma olhadela às páginas finais para ver como a história acaba. É que este livro continua a ser escrito e, um pouco como o cadavre exquis dos surrealistas, é redigido por múltiplos autores. Trata-se de uma realidade sem dúvida excitante, na qual nós, para além de leitores diários, somos actores intervenientes, tanto para o bem como para o mal.
Antigamente, a receita era conhecida: quem queria fazer investimentos com alguma segurança no mercado bolsista deveria tentar conseguir um compromisso interessante entre o dólar e o ouro (ou aquilo que estes simbolizam), e entre mercados ocidentais e mercados emergentes. O problema é que a globalização nivelou muita coisa. Já não temos mercados emergentes a reagirem de forma oposta à dos mercados desenvolvidos. Está tudo interligado.
Dentro desta semelhança comportamental, existe contudo muito drama. Ainda há poucos meses a China rejubilava, justificadamente, com a sua brilhante realização dos Jogos Olímpicos e com o seu elevadíssimo saldo da balança comercial. Hoje em dia reina alguma preocupação entre as autoridades chinesas devido à falta de encomendas recebidas, o que já obrigou muitas fábricas a reduzirem o seu pessoal e outras mesmo a fechar. Dado que as autoridades governamentais chinesas têm feito assentar toda a sua política e grangeado popularidade através do crescimento da economia do país, presentemente estão com sérios receios de que a falta de trabalho conduza a tumultos e, o que é mais, faça desencadear a ira dos desempregados contra os que têm ultimamente enriquecido. Quem diria?!
Quem diria também que o petróleo que esteve quase a 150 dólares o barril iria descer em poucos meses para menos de 50! No entanto, é isso que está a ocorrer! As contas públicas de países como a Venezuela, Irão, Rússia, Brasil e Arábia Saudita têm que ser revistas.
Quem diria que as taxas de juro europeias, que estavam elevadas a fim de impedir que a inflação subisse, iriam em curto espaço de tempo baixar substancialmente com a finalidade de fomentar o desenvolvimento da economia!
Quem diria que muitos dos que sempre protestaram contra o Estado se iriam agora pôr de joelhos a pedir-lhe auxílio!
Em Portugal, houve há algumas semanas na televisão um programa que conseguiu a proeza de reunir os CEO dos quatro maiores bancos do país (CGD, Millennium, BES e BPI). Mostraram-se satisfeitos com o facto de o Estado garantir o pagamento das contas bancárias dos seus depositantes até uma determinada quantia. Relativamente pouco tempo depois, o Banco Português de Negócios (BPN) era declarado insolvente e nacionalizado. A CGD controla-o presentemente, enquanto a PJ investiga. Agora chegou a vez do Banco Privado Português (BPP) vir formalmente pedir ao Estado um aval no valor de 750 milhões de euros. Ao contrário dos restantes, o BPP não se apresenta como banca comercial, mas sim como banco de investimento. Daqui decorre que é, grosso modo, um gestor de fortunas. Pressuponho que, devido à avalanche que tem levado as cotações bolsistas de uma maneira geral a valores baixíssimos, impensáveis ainda há pouco tempo, o banco tenha actualmente necessidade absoluta de recorrer a empréstimos. Sabe-se que o BPP tem por hábito apostar forte e jogar num segmento que é de altíssimo risco. Terá possivelmente conseguido obter óptimos resultados no passado, mas presentemente só vê resultados negativos. Será que não está já em condições de pagar eventuais resgates avultados que alguns dos seus clientes lhe venham a exigir?
Neste caso, a concessão do aval por parte do Estado levanta, naturalmente, uma questão moral e ética. Que o Estado tenha dado o seu aval a contas bancárias até um determinado montante por cliente, entende-se na presente situação de crise. Mas que o mesmo Estado, usando igualmente os dinheiros públicos de que dispõe, forneça o seu aval para defender grandes fortunas particulares já não é entendível da mesma forma, por configurar uma situação completamente diferente. Vamos a ver o que o Banco de Portugal decide.
Por mais que queiramos pensar de outra forma, somos forçados a verificar que estamos de facto numa era de feroz incerteza. Não há previsão que se sustente a si mesma. Esperemos, entretanto, que sobrevenha alguma acalmia. No cômputo geral, temos de admitir que, ao contrário dos furacões e tsunamis que tanta devastação causam, toda esta tremenda procela não é mais do que o produto de (uma má) mão humana. Visível e identificável.
Sem comentários:
Enviar um comentário