1/06/2009

O (nosso) euro em questão?

Depois das férias natalícias passadas no seu país, os embaixadores costumam participar num seminário que tradicionalmente abre o ano diplomático. Em Portugal, o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, discursou nesse seminário e não se escusou a mencionar algumas verdades que, por inusitadas, se estranha ouvir da parte de uma individualidade governamental.
Luís Amado afirmou que a rápida convergência de Portugal para o euro (no final da década de 90) tinha tido como consequência um gradual processo de divergência, de onde advieram problemas estruturais para o país, como a existência de um Estado pouco eficiente, uma economia pouco competitiva e uma sociedade excessivamente dependente do Estado. Prosseguiu, afirmando que neste momento o Estado tem limitações e constrangimentos orçamentais inquestionáveis, a que se juntam as fragilidades do tecido produtivo português e a fraqueza da sociedade portuguesa. A seguir tirou uma conclusão importante: só com esforço e sacrifício poderá Portugal manter-se no núcleo duro da EU.
Se a minha interpretação está correcta – e poderá, obviamente, não estar - restarão duas grandes alternativas ao país: 1) esforço e sacrifício para se manter na Zona Euro; 2) saída da Zona Euro.
Relativamente à nossa entrada na "eurolândia", permito-me aqui recordar excertos de um texto que escrevi há cerca de dez anos, em Novembro de 1998:
"A existência de uma moeda única não só irá aumentar o número de transacções de toda a ordem como ainda constituirá uma arma de defesa contra o todo-poderoso dólar e irá elevar a importância da União Europeia no mundo.
Algo que vai quase decerto acontecer na sociedade portuguesa é uma maior disciplina. A isso obriga a União Europeia em que Portugal está inserido. É natural que, por essa via e só por essa, a fiscalidade portuguesa passe a ser mais transparente e surja uma maior justiça social. Presentemente, como se sabe, Portugal não apresenta uma carga fiscal especialmente gravosa comparativamente à de outros países; só que, dada a evasão espantosa que se regista ainda hoje por parte dos potenciais contribuintes de maiores réditos, os impostos directos são pagos sobretudo pelos empregados por conta de outrem, que são deveras penalizados. Ficam entretanto de fora as grandes fortunas, que parece não existirem. É possível que uma maior disciplina imposta pelas contas europeias venha a ter os seus reflexos numa menor fuga aos impostos. Mesmo assim, é sempre de considerar os numerosos paraísos fiscais existentes. Algo interessante é que esta imposição de disciplina orçamental (e não só) venha do estrangeiro. Lembra a arremetida do Marquês de Pombal na 2ª metade do século XVIII. Será esta mais bem sucedida?
Em termos económicos e financeiros, Portugal fica, à semelhança de outros países pequenos, bastante manietado. Desaparece a possibilidade de desvalorização da moeda, que tem constituído desde sempre uma almofada para o desemprego, e vem toda uma disciplina penalizadora que um leonino Pacto de Estabilidade e Crescimento determina. As consequências podem ser graves para Portugal. Inversamente, também tudo pode representar uma enorme terapia de choque para acordar de vez com determinados marasmos nacionais."
Devo dizer que quando Sousa Franco conseguiu o milagre de fazer Portugal reunir as condições de acesso ao euro fiquei agradavelmente surpreendido. Meses antes, eu não esperava que isso fosse possível. Ainda bem que foi. É verdade que de início, em 2002, houve um enorme salto nos preços. Muitos vendedores passaram a considerar uma moeda de euro como correspondente a 100 escudos. Uma mina! Ultimamente tem havido no entanto uma contenção maior neste aspecto. O mesmo sucedeu em países como a França e a Holanda, por exemplo.
Aliás, se não estivéssemos no euro a nossa taxa de inflação seria hoje muito mais alta e já teríamos decerto tido várias desvalorizações da moeda, como aconteceu na Hungria, que teve de pedir o auxílio do FMI, e em vários outros países europeus.
Se estivéssemos fora do euro, as pensões dos portugueses reformados estariam hoje muito mais baixas em real poder de compra. Actividades como o turismo ou o sector das exportações tanto poderiam lucrar como perder, mas o tecido social português perderia sempre.
Temos tido uma moeda forte mas, em minha opinião, não temos estado à altura dela. Infelizmente, não temos tido nem honestidade nem tem havido verdadeira competência política por parte de muitos dos nossos governantes. Embora em menor escala, a indisciplina continua a reinar. Veja-se a fatia de dívidas das autarquias que se mantém, espantemo-nos com os 90 por cento do PIB que nossa dívida externa atingiu, constate-se a contínua desfaçatez do governo madeirense. Um pormenor final: li ontem na imprensa que os transportes públicos não irão este ano aumentar. Porque não, se tudo aumenta pelo menos para cobrir a taxa de inflação? "Porque é ano de eleições" não é resposta aceitável. O que se gasta hoje a mais tem de ser pago amanhã, e com língua de palmo.

Este arrazoado todo pode não ter a mínima razão de ser. É possível que o Luís Amado, pessoa inteligente e culta, não tenha querido ir tão longe. Terei estado, por conseguinte, a tomar a nuvem por Juno. Sinceramente, espero que sim.

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