1/10/2009

A ribaldaria?

Sob a alegação de que é necessário acudir rapidamente ao problema do emprego fomentando obras públicas - posicionamento que até aplaudo se essas obras públicas, de pequena ou média dimensão, se justificarem amplamente -, o governo propõe-se decretar que as autarquias passem a ter a possibilidade de ajuste directo de obras até ao valor de 5,1 milhões de euros (33 vezes mais do que até agora). Ajuste directo significa basicamente "sem concurso". Sabendo-se como em Portugal o BdF* é pelo menos tão importante como o BdP**, estranha-se que, numa altura em que o próprio Estado português não está a nadar em dinheiro, surja esta possibilidade tão repentina de delegação de poderes aparentemente sem controlo apropriado. Espera-se que os mecanismos de controlo, que ainda não foram anunciados, incluam uma justificação das obras, o obrigatório "visto" do Tribunal de Contas, penalizações severas por incumprimento das normas e obriguem à sua publicitação.
Ainda há dias, num apontamento relativo a um discurso de Luís Amado, tive ocasião de referir a necessidade que desde sempre os portugueses tiveram de austeridade e disciplina, algo que mantém alguns cidadãos lusos de mais idade saudosos de um Salazar disciplinador, esquecendo as enormes iniquidades que ele permitiu na nossa sociedade. A inclusão de Portugal no euro obriga-nos a uma disciplina a que não estamos habituados e à qual os nossos governantes, especialmente em anos de três eleições - legislativas, autárquicas e europeias - tendem a ser especialmente avessos.
James Madison, que foi o principal autor da Constituição americana e o quarto presidente dos EUA, escreveu que "Se os homens fossem anjos, a existência de governos não seria necessária." Tinha toda a razão. Os homens não são anjos. E os que não são anjos mas detêm o poder, gostariam que todos os outros fossem anjinhos. Assim estaria tudo bem. Foi baseado nesta experiência de vida que o advogado Madison avisadamente propôs sistemas de checks and balances, coisa que em tradução para a nossa língua pode dar algo como "freios e contrapesos".
Ora, haverá os necessários freios e contrapesos nesta proposta governamental? A corrupção em Portugal, de que todos temos amplo conhecimento, lembra uma baleia que vem à tona de água para pouco tempo depois mergulhar de novo no olvídio do reino submarino. Coisa pouco angelical, em que medida é que a sua intromissão está devidamente protegida? Se o governo não acautelar os interesses dos seus cidadãos de uma maneira geral e preferir adular os autarcas com uma medida que pode, como tantas outras já têm feito, permitir - de forma legal - favores a amigalhaços, presta um péssimo serviço ao país.
Mais ribaldarias não! Estamos fartos!

*- Banco de Favores
**-Banco de Portugal.

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