Muito recentemente, John DiCicco, que ocupa um lugar proeminente na Justiça dos Estados Unidos, afirmou o seguinte: "At a time when millions of Americans are losing their jobs, their homes, and their health care, it is appalling that more than 50,000 of the wealthiest among us have actively sought to evade their civil and legal duty to pay taxes".
Esta fortíssima afirmação referia-se a um número significativo de americanos possuidores de grandes fortunas que colocaram o seu dinheiro em filiais americanas do UBS (banco que resultou da fusão entre a Union de Banques Suisses e a Societé de Banque Suisse), com a óbvia finalidade de se eximirem ao pagamento dos impostos que era de seu direito e dever efectuarem. É gratificante ver que na América ainda se considera esta fuga aos impostos que são devidos - e essenciais para o bem de toda a sociedade - como um comportamento altamente criticável, revelador de falta de ética. Por estas razões, a que se junta o sigilo bancário suíço, o caso UBS vai, obviamente, dar muito que falar.
É evidente que grande parte do mundo está, infelizmente, cheio de casos destes. Este blog tem feito eco de alguns desses casos, como por exemplo aquele que resultou da descoberta da colocação de largos montantes de dinheiro alemão - e escandinavo - no Liechtenstein. É também verdade que os EUA têm tido casos imensamente deploráveis, desde os múltiplos escândalos bancários até ao caso Madoff e, mais recentemente, ao caso do bilionário texano Allen Stanford.
Ainda nos Estados Estados Unidos, o dinheiro público que foi usado para subsidiar bancos em alto risco de sobrevivência, está a ser alvo de apertado controlo estatal, como é compreensível. Quando oito CEOs de bancos que foram intervencionados pelo Estado americano num total de cerca de 165 biliões de dólares tiveram que responder perante o Congresso a perguntas tais como "Nos últimos seis meses, quanto do seu próprio dinheiro é que investiu no banco?", houve cinco que admitiram que não tinham adquirido uma única acção. Sem comentários!
O clássico ideal americano rege-se, de há muito, pela conjunção da riqueza e da virtude. Poder-se-á dizer que "ser rico e virtuoso" constitui uma mera utopia? Mesmo na nossa sociedade, que sofreu nas últimas décadas profundas transformações, há numerosos casos que provam o contrário. Ser apenas rico tem o valor que tem, mas não preenche de maneira nenhuma o ideal. A virtude tem que acompanhar a riqueza. Essa virtude inclui, como facilmente se entende, integridade de carácter e preocupações sociais.
No nosso país, aparentemente o único caso que até ao momento teve algumas consequências foi o do antigo secretário de Estado para os Assuntos Fiscais de um dos governos de Cavaco Silva - Oliveira e Costa -, devido à forma como administrou o Banco Português de Negócios (BPN). Acontece que o BPN foi entretanto nacionalizado, o que significa que são os contribuintes portugueses que poderão, injustamente, vir a arcar com todo o seu passivo. É perfeitamente intolerável que se saiba já há meses que a administração de Cadilhe detectou pagamentos mensais de montantes elevadíssimos a pessoas ligadas à administração do banco, pagamentos que estiveram longe de ser apenas para salários. Houve, segundo a imprensa, levantamentos da ordem dos 50 mil, 100 mil euros, 200 mil euros e até 300 mil euros. Entretanto, e sem qualquer estranheza, o banco apresenta-se com problemas gravíssimos para com o IRS e a Segurança Social. Então, e em face da situação nada se faz? Não há culpados? Ou a culpa dos culpados será paga apenas com o dinheiro dos impostos dos contribuintes zelosos? Estaremos perante uma estranha versão das linhas do Pai-Nosso "perdoai-nos, Senhor, as nossas ofensas, assim como nós perdoamos aos nossos inimigos".
O historiador Oliveira Martins conta-nos que o infante D. Pedro terá dito ao seu irmão e rei D. Duarte algo como "Justiça que demora, quando chega já não é justiça para ninguém." Tinha toda a razão D. Pedro. A administração de justiça, correcta e célere, é parte integrante da democracia, a qual está longe de se reduzir à colocação de um voto numa urna.
Os nossos governantes estão perigosamente enganados se crêem que não há muitos portugueses a pensar. E, no âmbito daquilo que pensam e ouvem reportar, cogitam naturalmente sobre as suspeitas que recaem sobre o eventual comportamento pouco ético do próprio Primeiro-Ministro no caso Freeport e sobre a presença no Conselho de Estado de um antigo administrador do BPN, também ele alvo de fortes dúvidas quanto ao seu comportamento no que concerne ao banco. De tudo, e este "tudo" inclui uma escandalosa impunidade que se acumula – a tal "justiça que demora" -, resulta uma seriíssima descrença no sistema. Pergunta-se: quem, de entre os membros de topo da classe política, tem voz suficientemente forte e "folha limpa" para poder falar em Portugal com a justeza do acima referido magistrado John DiCicco? E, já agora, passar depois das palavras aos actos?
P.S. A confirmar-se, a nomeação pelo Banco de Portugal de João Ermida para a administração do BPP é um passo interessante no sentido de avocar a ética.
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