2/25/2009

Estarão os jornais condenados a desaparecer?

Quando se pergunta a alguém para que servem os jornais, a resposta mais comum será: para saber as notícias. Contudo, estou em crer que os jornais interessam cada vez menos pelas notícias que trazem e mais pela forma como as enfeitam e apresentam. Hoje em dia, para muitas pessoas as novidades realmente em primeira-mão ou são vistas na televisão ou lidas primeiro na Net. Um número significativo das pessoas que compram o jornal regularmente possui também um computador com ligação à Internet, na empresa ou em casa, ou em ambos os lados. E isso é importante?
Muito, de facto. Se eu precisar de saber como vai estar o tempo amanhã, ligo o computador e, num site que contém a meteorologia, imensos jornais on-line, farmácias de serviço, cinemas, teatros, exposições e mais não sei quantos outros serviços, encontro não só a temperatura prevista para hoje como também para amanhã e depois. Quanto me custa? Praticamente nada. Dentro da minha assinatura com um servidor que cobra um preço de cerca de 80 cêntimos por dia, o que é perfeitamente razoável, está incluído todo um vasto manancial de informação, a que junto a possibilidade de enviar o número de cartas (e-mails) que pretender a amigos e conhecidos e deles receber as que quiserem enviar. Pode ser para e do Japão, América, Brasil ou Portugal. Não tenho outros encargos. Não gasto envelopes nem selos, não tenho que me deslocar aos correios, não tenho que estar em bichas.
Mais: quando preciso de uma informação, eu que durante anos procurava aquilo de que necessitava numa das duas grandes enciclopédias que possuo - a Luso-Brasileira em 20 e tal volumes, e o Grand Larousse em 11 volumes - agora só muito esporadicamente as uso. Não preciso. Com a mesma barateza referida, posso consultar milhares de documentos na NET, que num ápice me dão geralmente a informação de que preciso. A custo zero. Para estudos mais aprofundados, consultarei os livros das minhas estantes - que estão em base de dados - ou darei um salto a uma biblioteca.
Já se percebeu que, em minha opinião, um dos grandes problemas da concorrência que os jornais diários têm que enfrentar é o facto de a Net ser incrivelmente barata. Às vezes questiono-me como é possível que eu seja utilizador de um blog há mais de 5 anos e não tenha tido até agora qualquer custo. Se neste mundo ninguém dá nada a ninguém, há aqui qualquer coisa que não bate certo. E o blog em que participo e em que agora estou a colocar este texto não faz publicidade absolutamente a nada. Custa a acreditar. Too good to be true, mas é mesmo verdadeiro.
Há cerca de dois anos, notei que o meu jornal habitual já não me fornecia a informação sobre a bolsa de valores a que eu costumava dar uma vista de olhos. Inquiri junto de um banco por que motivo já não enviavam a informação habitual para a imprensa. "Porque temos toda essa informação na Net", disseram-me. E lá estava, de facto. Menos um serviço prestado pelos jornais, uma receita a menos para eles e mais uma borla para mim e todos os restantes utentes. Se quiser, logo de manhã e com um simples toque do rato, encontro, por exemplo, nas páginas do BBC News um resumo consistente de toda a informação financeira. E actualizado.
Perguntar-me-ão: então porque se compra ainda o jornal? A resposta é simples: por força do hábito já talvez convertido em vício, e também certamente devido a inteligentes artigos de opinião que lá encontramos, ao gosto de sentir nas mãos o toque do papel, ao prazer de passar o jornal para os outros membros da família que a ele estão habituados, ao passatempo de fazer um sudoku ou umas palavras cruzadas, e ainda porque o jornal tem alguns assuntos que gostamos de guardar para futura referência. Presentemente, o meu jornal custa o mínimo de €1 e o máximo de €1,5.
Há muitos anos perguntava-se de brincadeira: qual é grande mal do século? A resposta era "o Diário de Notícias". De facto, "O Século" era o nome do jornal rival do DN. Poder-se-á hoje dizer que a Net é o grande mal dos jornais? Em parte, sim. Contudo, também é um facto que os grandes jornais têm todos uma edição on-line. E isso é bom ou mau? Para o leitor é bom; para os jornais impressos, não estou tão seguro. Na medida em que essa edição on-line inclui por vezes artigos de opinião acessíveis mesmo aos não-assinantes, o interesse dos assinantes on-line obviamente diminui. Poderão assinar o jornal durante algum tempo, depois tenderão a não renovar a assinatura. Logo, aqui o "bipé" assinatura / publicidade tende a funcionar pouco. Ao permitirem os comentários a notícias por parte de leitores mesmo que não sejam assinantes, o jornal pratica a mesma política de acessibilidade. Verifico, por exemplo, no Público on-line que há notícias que recebem dezenas e mesmo mais de uma centena de comentários, conquanto haja vários das mesmas pessoas. Isso mostra que há muita gente interessada na edição on-line, mas será que são pessoas interessantes para a publicidade que o jornal pretende angariar graças à possibilidade de mostrar que tem esse grande leque de leitores? Se se der uma olhadela aos comentários, verificar-se-á que são em grande número sobre futebol e que em muitos casos são redigidos por pessoas com um baixíssimo nível cultural. Serão elas um bom público-alvo para a publicidade?
Algo que corrobora a efectiva concorrência que a Net faz aos jornais é o facto de na Ásia, v.g. na China, Índia e Indonésia, a tiragem dos jornais continuar a aumentar. Ora, nesses países a Internet ainda não está muito difundida. Um exemplo concreto é o da Índia, onde existem 180 milhões de assinantes de jornais diários e apenas 12 milhões de assinantes da Internet. Logo que o número destes últimos aumentar, decerto que os assinantes da imprensa irão diminuir.
Para complicar ainda mais a situação dos jornais diários, surgiram os jornais grátis, que vivem exclusivamente da publicidade que conseguem angariar. São todos matutinos. A sua distribuição gratuita atrai os muitos commuters que vêm para a cidade. Na medida em que trazem as notícias principais, seja sobre política, seja sobre desporto, tornam-se satisfatórios para muitas pessoas que não estão dispostas a pagar €1 por qualquer um dos outros jornais. Com uma redacção e uma distribuição low-cost, esses jornais conseguem sobreviver e oferecer alguma concorrência aos diários regulares.
É claro que existe ainda uma geração dos mais velhos que não passa sem o seu jornal. Por outro lado, se o orçamento pessoal baixa consideravelmente - devido a desemprego, reformas e coisas do género - , é a frequência com que se compra o jornal que pode ficar afectada: em vez de diariamente, passa-se a comprar o jornal apenas à segunda e ao sábado ou domingo.
Dado que as receitas dos jornais assentam num banco de três pernas - (1) vendas nos quiosques e nas papelarias, (2) assinaturas e (3) publicidade -, quando uma das pernas do tripé falha, ficamos com um banco desequilibrado. Não é fácil endireitá-lo.
Foi Warren Buffett, um famoso homem de negócios que tem à sua conta uma boa fatia das acções do Washington Post, que recentemente comentou: "Os leitores de jornais estão já a caminho do cemitério, enquanto que são os não-leitores que estão a sair da universidade. É difícil fazer dinheiro num negócio que está em permanente declínio."
Será mesmo assim?

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