3/09/2009

Custa a acreditar

Como já aqui tenho referido, trabalhei durante largos anos, com prazer, numa instituição de ensino superior privado. É evidente que, apesar da minha satisfação, havia sempre uma coisa ou outra que considerava menos bem. Foi este o caso dum episódio relacionado com oferta de livros. Como coordenador do departamento de línguas, eu fazia encomendas relativamente grandes de livros para os alunos. Foi-me fácil arranjar junto de uma livraria alguns descontos que, por comum acordo, seriam traduzidos em oferta de obras para a biblioteca da instituição. Assim, no final de cada ano eu fazia na livraria em questão uma selecção de livros que considerava úteis para a biblioteca, dentro do montante previsto. Num determinado ano, fui surpreendido com um reparo do director e proprietário da instituição: uma das obras que eu tinha seleccionado não seria muito recomendável. O livro em questão era Uma Breve Interpretação da História de Portugal, de António Sérgio. Eu próprio possuía o livro em casa e estranhei que ele não fizesse parte do acervo da biblioteca. Quando ele foi entregue, foi levado pela bibliotecária com mais um monte de outros ao gabinete da Direcção. Sabendo do reparo, falei com o director, que era professor de História, e inquiri qual o problema com o livro em questão. "Não é bem a nossa linha". Argumentei, naturalmente, que são sempre necessários vários pontos de vista para que as pessoas possam formular a sua opinião. Apesar do reparo citado, o livro foi para a biblioteca. Comentei para mim que ali estava um caso típico de censura prévia. Como o director, que infelizmente já faleceu, era monárquico, murmurei para comigo: "L’État c’est moi." Reflectindo posteriormente sobre o assunto, concluí, bem ou mal, que como proprietário de uma instituição privada ele tinha o direito de impor as suas regras dentro de sua casa. Aqui, gostaria apenas de acrescentar que a estranheza que senti se deveu ao facto de nas aulas os professores gozarem de total liberdade. Aliás, tanto quanto sei, nunca ninguém foi obrigado a sair da escola por expressar os seus pontos de vista, fossem eles quais fossem.
Porque é que me ocorreu ontem esta história? Por uma notícia que li no Público. Porém, aqui tratava-se não de propriedade privada, mas da coisa pública. O texto que segue é praticamente uma reprodução da notícia, assinada pelo jornalista Tolentino da Nóbrega.
Informa a notícia que, na Região Autónoma da Madeira qualquer decisão dos serviços técnicos que, sem conhecimento de Alberto João Jardim, inviabilize projectos privados "é ferida de nulidade". "Sempre que em qualquer serviço da administração pública sob tutela do governo regional a informação ou parecer sobre iniciativa de investimento for negativa ou contrarie substancialmente a proposta inicial, o competente membro do governo, antes de a subscrever, apresentará o processo ao conselho de governo", cabendo ao presidente "a decisão de agendamento". No preâmbulo de uma portaria reguladora, o Presidente do Governo Regional da Madeira refere que "algumas vezes os serviços vetam iniciativas de investimentos" ou "pronunciam-se em parecer negativo", admitindo que "na maior parte dos casos possa existir fundamento bastante para o efeito". Noutros, "se a visão meramente técnica fosse completada por uma mais profunda análise do bem comum - exigível sempre, nomeadamente em regime democrático -, talvez mais alguns obstáculos fossem ultrapassados". Assim, "sendo o governo aquele que dá a cara ante a opinião pública", o Presidente chama a si a "decisão terminal".
A notícia termina com a informação de que "recentemente a directora do Parque Natural da Madeira, Susana Fontinha, foi afastada do cargo, depois de ter emitido um parecer negativo sobre o projecto do teleférico no Rabaçal, a ser edificado em plena floresta de laurissilva, sítio Rede Natura 2000 e declarada em 1999 pela UNESCO Património Mundial da Humanidade."
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