Acho que não é preciso ir a exposições como a de Darwin na Gulbenkian - que aliás recomendo fortemente - para entender que o aparelho fonador humano segue uma linha diferente da do macaco. Aquilo para que gostaria de chamar a atenção a quem eventualmente ainda não se tenha apercebido é que, para além dessa linha divergente, existe depois no humano uma adaptação que é mais ou menos rápida aos diferentes sons.
É óbvio que nenhum bebé começa por aprender palavras como tecnologia e relatividade. Também quando uma criança começa a andar, fá-lo primeiro rastejando, depois passa a andar de gatas e, só por último, de pé. Apenas posteriormente, e com muitos galos pelo meio, aprende a correr.
Ora, creio que o aparelho fonador tem um desenvolvimento em certa medida semelhante. Não poderá, pois, começar por pronunciar aqueles palavrões acima referidos. A linguagem mais rastejante, digamo-lo assim para comparar com o andar, faz-se através de palavras agudas, i.e. acentuadas na última sílaba, geralmente com sílabas repetidas para que não só o ouvido se adapte como também depois todo o aparelho fonador. É assim que temos sons fáceis como os de papá, mamã, bebé, cocó, xixi, e mesmo verbos como papar e beber.
Os nossos filhos e, eventualmente, os nossos netos fornecem-nos muito material a este respeito. Basta estarmos atentos. Recordo-me de verificar que tanto os meus filhos como os meus netos tiveram o mesmo problema inicial com uma mesmíssima palavra: túnel. Desde que eles eram miúdos que, quando passávamos de automóvel por um túnel, eu lhes mencionava a palavra. Todos tentaram dizer a palavra de forma correcta à primeira e nenhum conseguiu: o que lhes saía era sempre tonel. Porquê? Julgo eu porque o seu aparelho fonador não estava ainda suficientemente desenvolvido para pronunciar palavras fortemente graves, quase esdrúxulas (não fosse o número de sílabas). Com a minha filha recordo-me que sucedeu ainda que pronunciava sempre a palavra Philips, que eu naturalmente dizia com acento na sílaba Phi inicial, como PhiLIps. Só mais tarde é que passou a dizê-la correctamente.
Há dias, em conversa sobre este mesmo assunto, dizia-me alguém que a neta não era capaz de dizer túlipa e dizia sempre tulipa. Ela chegará lá – embora a forma tulipa também seja usada - , mas continuará mais um tempo com dificuldade em dizer túlipa.
Ora, facilmente chegaremos à conclusão de que túlipa é mais difícil de dizer do que tulipa e de que a sílaba final da palavra – pá – ainda é mais simples. Apercebemo-nos através disso de um desenvolvimento gradual, consoante a dificuldade, do aparelho fonador humano. Lembra a caixa de velocidades de um veículo, com a 1ª, 2ª e 3ª velocidades a serem geralmente usadas por esta ordem.
A par disto, temos, por assim dizer, a existência de uma determinada sílaba tónica mais comum numas línguas que noutras. Consideremos três idiomas nossos conhecidos: o inglês, o francês e o português. Imaginemos a palavra inglesa MANAGER. À vista deste termo, todo o francês (que ainda não saiba inglês) terá uma enorme tendência para dizer manaGER, acentuando aquela que é a sua última sílaba. O português, por seu lado, tenderá a dizer maNAger, fazendo recair o acento tónico na (sua) penúltima sílaba, enquanto o inglês lerá a palavra como MAnager. Isto é: três línguas diferentes possuem tendencialmente três acentuações diversas para a sílaba tónica das seus vocábulos. Isto não quer, obviamente, dizer que não existam em português, por exemplo, centenas de palavras agudas. Nestas, porém, dado que tendencialmente o nosso acento recai na penúltima sílaba, a última sílaba vem graficamente acentuada, como se vê em café, totó, teté, trolaró, etc. Também pelo facto de ser a penúltima a "normal", a antepenúltima, tal como na palavra antepenúltima que acabei de escrever, tem obrigatoriamente um acento.
Creio que entendemos assim melhor a razão por que o Benfica em França é BenfiCA, o Sporting é SportING e o Porto PorTÔ.
E entenderemos também o incómodo que representa para os portugueses pronunciarem correctamente algumas palavras inglesas – com o acento tónico o mais recuado que a voz humana permite – em vocábulos como manager, que atrás vimos. É por este motivo que há tantos portugueses a lerem a palavra inglesa development acentuando a sílaba que lhes dá mais jeito: lo. Na realidade, a palavra é acentuada na sílaba anterior (ve).
Numa palavra como Yorkshire, o português tende, pelas razões atrás apontadas, a avançar resolutamente para o acento em –shi – e, por consequência, a pronunciar qualquer coisa como Yorkchaia. Na realidade, o acento recai sobre York, o que faz com que o –i- não se leia –ai.
Este é, como se vê, um assunto extremamente simples e fácil de compreender. Lamentavelmente, nem sempre é explicado numa base comparativa. Esta base facilita muito as coisas e fornece uma visão que é não só global mas também humana. Se me perguntarem "Então, e as excepções?", responderei que, como em quase tudo na vida, há excepções, mas em 1000 palavras será que devemos prestar mais atenção a 5 do que a 995? O que acima se descreve aplica-se a muitos milhares de palavras.
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